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quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Anuncio Antigo 42: Bolo com Castanha-do-Pará



Caros leitores, não é a primeira vez que este blog exibe um anúncio com a conhecida noz extraída da floresta amazônica, em língua inglesa. Saibam que a castanha-do-pará, este é o nome que a tornou famosa no mercado interno, era conhecida pelos ingleses desde o final do século XVIII. Coube aos mesmos dar ao produto a designação pelo qual ficou conhecido no mundo: Brazil nut. Aqui, quiseram colocar quase a mesma denominação que tinha no exterior, apenas traduzida para o português. Em 1961, um decreto do Governo Federal adotou o nome de castanha do Brasil. No entanto, até hoje, persiste a denominação de castanha-do-pará, como também a briga pelo nome entre os Estados produtores da castanha (praticamente todos da região Norte), sob a alegação de que a mesma não pertence a um só Estado e sim a toda a Amazônia. Para acirrar ainda mais os ânimos, podemos lembrar que, até o início do século XIX prevalecia o nome castanha-do-Maranhão, uma vez que o produto saia da região pelo porto de São Luís. Para muitos estudiosos, entre os quais me incluo, trata-se de uma discussão menor e que não contribui para a divulgação das qualidades desse produto para a saúde humana, como o seu teor de selênio, que ajuda a prevenir o câncer e retarda o envelhecimento. 
Atualmente, a Bolívia é o maior produtor mundial de castanha-do-pará. O beneficiamento do produto foi aprimorado no país vizinho e o Brasil perdeu a liderança no mercado internacional. Durante praticamente dois séculos, a castanha-do-pará contribuiu para o sustento das populações amazônidas, sobretudo após a crise da borracha no início do século XX. Trata-se de um produto muito divulgado no exterior, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra. Grande parte do trabalho de propaganda da castanha-do-pará coube a uma organização de importadores americanos, conhecida como Brazil Nut Association. A mesma criou até um personagem para divulgar o produto nos Estados Unidos: o Kernel Nut of Brazil (que aparece neste anúncio, no canto superior esquerdo). Além do consumo in natura da noz, os norte-americanos fizeram da mesma um acompanhamento de doces, sorvetes, bolos, assados (como o peru) e cobertura para vários pratos, como o bolo que aparece no anúncio acima. Por ser um alimento calórico, é considerado como bem adequado às regiões de clima temperado, sobretudo no inverno. Daí a sua associação com as épocas festivas de final de ano. 
O Anúncio Antigo de hoje foi encontrado no sítio Ebay, especializado em compras pela internet e foi divulgado nas revistas americanas no ano de 1951. 
Crédito da Imagem:
http://www.ebay.com/itm/1951-Pillsbury-Cake-Mixes-and-Brazil-Nuts-on-Frosting-print-ad-/291179934680?hash=item43cbad33d8:g:zJAAAOSw9NxTsJo2


sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Imagens Históricas 19: Estação da Luz



Eis a Estação da Luz, no centro da cidade de São Paulo, poucos meses antes de sua inauguração, no ano de 1900. A estação original foi inaugurada em 1867 pela companhia The São Paulo Railway, depois Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Sim, eram os tempos áureos do café e a ferrovia escoava o produto para o porto de Santos. Da mesma forma, o caminho de ferro conduziu os imigrantes europeus para o interior e para as grandes fazendas do Oeste Paulista, permitindo o povoamento e a abertura de um imenso mercado consumidor abastecido depois pela industria da capital. Em função disso, para atender melhor a demanda de passageiros e o tráfego ferroviário, a estação foi ampliada, dando lugar ao imponente edifício, em estilo inglês, inaugurado oficialmente em 1901, na entrada do século XX. 
O Bairro da Luz era um dos mais elegantes da capital paulista, bem diferente dos tempos atuais onde predomina o abandono e a conhecida cracolândia estabelecida em suas proximidades. Na foto acima, podemos ver, do lado direito, praticamente em frente à estação, o atual prédio da Pinacoteca do Estado, projetado pelo conhecido engenheiro e arquiteto Ramos de Azevedo. Atrás desse prédio, é possível ver parte do Jardim da Luz, o mais antigo parque público da cidade de São Paulo. Era local de lazer e passeio para os moradores da cidade, naquele início de século XX. 
Como se sabe, o prédio da Estação da Luz foi atingido recentemente por um incêndio e abriga atualmente o Museu da Língua Portuguesa. A foto acima foi tirada pelo fotógrafo Guilherme Gaensly (1843-1928) e hoje faz parte do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. 
Crédito da Imagem: São Paulo: de vila a metrópole. Coleção Folha Fotos Antigas do Brasil 1. Folha de São Paulo, 2012, p. 25

sábado, 9 de janeiro de 2016

Os Confederados na Amazônia




Um fato pouco conhecido dos brasileiros e, provavelmente, até dos norte-americanos! Uma consequência para o Brasil da Guerra Civil Americana ou Guerra de Secessão (1861-1865). Centenas de sulistas confederados resolveram vir para o nosso país após o fim da guerra e alguns deles para a cidade de Santarém, localizada na confluência dos rios Amazonas e Tapajós, no Estado do Pará. Famílias que tiveram homens que serviram nesse conflito e que foram vítimas da destruição da economia do Sul dos Estados Unidos. A família do doutor Josiah H. Pitts (foto acima de 1866) foi uma delas. Natural de Nashville, Estado do Tennessee, serviu no Exército Confederado como oficial. Pitts e outros norte-americanos aceitaram o desafio de morar na floresta tropical da Amazônia, com o intuito de se estabelecerem como proprietários, dentro do estilo de vida rural do conhecido Dixieland (Sul dos Estados Unidos).



Como se sabe, a Guerra Civil foi o resultado do rompimento entre os Estados do Norte e os do Sul da federação norte-americana, fruto das divergências a respeito dos rumos que os Estados Unidos deveriam tomar no campo econômico e social (na foto acima, uma trincheira com soldados confederados mortos na Batalha de Antietam, 1862). Por exemplo, o Norte pleiteava uma política protecionista enquanto o Sul o livre cambismo; maior investimento em ferrovias era um interesse também dos nortistas; um dólar mais desvalorizado em relação à libra esterlina favorecia os interesses dos plantadores de algodão do Sul, que recebiam por esse produto em libras e, sobretudo, a questão referente à continuidade do trabalho escravo, algo que era do interesse desses mesmos fazendeiros. A expansão da escravidão para o Oeste recém conquistado, também foi alvo de desentendimentos, uma vez que poderia gerar um desequilíbrio na representação do Congresso norte-americano entre abolicionistas e escravistas. Enfim, a sociedade mais urbanizada e industrializada do Norte estava em confronto com a organização rural e patriarcal do Sul. 



Tais divergências acabaram levando à guerra (na foto acima, soldados confederados da Virgínia, no início do conflito), que terminou com a vitória dos ianques (Norte) sobre os confederados (Sul). 
Muitos estudiosos e escritores, entre os quais o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), viram nesse resultado a vitória das posições mais progressistas e burguesas do Norte sobre a aristocracia conservadora do Sul. Em uma carta enviada ao presidente Abraham Lincoln em 1865, por meio da Associação Internacional dos Trabalhadores (também conhecida como Primeira Internacional), Marx celebrou o fim da escravidão nos Estados Unidos como um importante capítulo na luta dos trabalhadores contra a exploração. 



Após o conflito, os estados sulistas permaneceram sob uma administração militar imposta pelos ianques vencedores e muitos cargos governamentais ficaram sob o controle dos nortistas (na foto acima, ruínas da cidade de Charleston, na Carolina do Sul, ao final do conflito). Tal intervenção durou até o ano de 1877, quando as tropas de ocupação foram retiradas, após o Congresso dos Estados Unidos aprovar uma Lei de Anistia Geral. A emancipação dos escravos, proposta pelo presidente Lincoln e aprovada no Congresso (13ª Emenda), evidentemente, não foi bem aceita pela elite sulista. Além disso, na visão da mesma representou uma expropriação, uma vez que os donos dos escravos não foram indenizados. Violências e excessos ocorreram, inclusive o surgimento da conhecida organização racista Ku Klux Klan. Por parte da administração militar também ocorreram excessos e medidas autoritárias, que dificultaram a reintegração da população sulista à União. Em função disso, muitos dos antigos moradores do Sul decidiram abandonar a região, até mesmo deixando o país.
Bem, é esse capítulo que nos interessa, o destino de algumas dessas famílias. O México seria uma opção natural, em função da proximidade. Mas, a instabilidade política naquele país (em 1867 o imperador Maximiliano foi executado) dificultou o processo. Por outro lado, muitos norte-americanos já tinham estabelecido contato com o Brasil. Desde a abertura dos portos brasileiros estabelecida pelo decreto do príncipe-regente D. João, em 1808, navios da América do Norte estabeleciam conexões comerciais com os portos do Brasil, inclusive na Amazônia. A castanha-do-pará começou a ficar conhecida, como também a goma elástica (borracha) e até mesmo a nossa tapioca podia ser encontrada no mercado inglês e norte-americano, desde o início do século XIX. 



Uma pesquisadora da USP, Maria Clara Sales Carneiro Sampaio, com base em documentações novas, revelou outras intenções por parte do governo norte-americano na Amazônia. O presidente Lincoln (na foto acima, em 1863) tencionava estabelecer acordos com o governo brasileiro, a fim de enviar para cá os escravos libertos, uma vez que havia o temor de um grave conflito racial após o fim da Guerra Civil. Os negros ou afrodescendentes eram vistos como inferiores culturalmente e incapazes de se integrarem de forma plena à nação norte-americana. Sim, Abraham Lincoln pensava dessa forma! Vamos lembrar que uma experiência semelhante já havia sido feita na Libéria, na África Ocidental, quando uma sociedade colonizadora adquiriu um território para ser ocupado por africanos enviados de volta ao continente. Contudo, as sondagens com o Brasil não foram adiante, uma vez que o governo brasileiro desejava trazer colonos brancos de origem européia e não mais africanos. A ideia era a de promover o embranquecimento gradual da população brasileira! Caro leitor, não estranhe essas visões e pontos de vista, afinal estamos no século XIX. 
Por sua vez, ainda antes da Guerra Civil, muitos naturalistas ingleses e norte-americanos já tinham estado na Amazônia, descrevendo a região como favorável ao povoamento, fértil e apesar do clima quente, o mesmo seria amenizado pelas sombras da floresta e pela brisa dos rios. Na opinião de homens como Louis Agassiz, Henry Walter Bates, Alfred Russel Wallace (amigo de Charles Darwin) e, principalmente, o tenente da Marinha norte-americana Matthew Fontaine Maury, a região apresentava condições favoráveis ao povoamento e ao estabelecimento de colônias. 



Além disso, esses mesmos exploradores alardearam as riquezas naturais da Amazônia, sobretudo a abundância de madeira dos mais variados tipos, os rios piscosos e a diversidade da fauna, por meio das quais nenhum indivíduo ficaria sem os meios de subsistência. Através desses relatos, cresceu o interesse por parte dos Estados Unidos na abertura da navegação do rio Amazonas. Matthew Fontaine Maury (foto acima) foi um dos grandes defensores dessa medida em artigos publicados nos jornais norte-americanos. Em 1851, Maury enviou seu primo, o tenente William Lewis Herndon e um ex-cooperador do Observatório Naval dos Estados Unidos, o também tenente Lardner Gibbon, para explorar o vale do rio Amazonas e coletar informações sobre as possibilidades da ocupação da região. Posteriormente, Maury publicou um livro, The Amazon and the Atlantic Slopes of South America, de 1853. Outros viajantes norte-americanos, que percorreram a região chegaram a prever que Belém do Pará poderia se tornar uma espécie de "Nova Orleans" da América do Sul, desde que ocupada por colonos sulistas, inclusive com o trabalho escravo. Por parte do governo brasileiro existiam desconfianças a respeito das intenções de Maury, em função da política de anexações do governo norte-americano em relação ao México. De fato, parecia existir a vontade de estabelecer uma espécie de "imperialismo escravocrata" por parte dos sulistas americanos, no Caribe e na Amazônia. Alguns anos depois, em 1867, o governo imperial abriu o rio Amazonas à navegação internacional, embora com algumas restrições. 
Sem êxito na proposta de expansão sulista e de enviar escravos libertos em direção à América do Sul, o Brasil surgiu como alternativa para os confederados derrotados. Muitos destes se dirigiram para o interior da Província de São Paulo, nos atuais municípios de Santa Bárbara D'Oeste e Americana. A ocupação nesses locais foi estável e gerou uma descendência até hoje radicada nessas cidades paulistas. Muitos deles se dedicaram à produção de algodão e de frutas, entre as quais destacou-se a melancia.


Mas, voltemos aos confederados que vieram se estabelecer em Santarém. Como dissemos, as descrições feitas sobre a Amazônia eram favoráveis, o que tornou a região uma possível alternativa para a vinda desses imigrantes. A iniciativa para esse empreendimento coube ao Major Warren Lansford Hastings (1818-1868). Natural do Estado americano de Ohio, ganhou notoriedade ainda jovem, ao liderar um grupo de colonos americanos que viajou do Oregon para a Califórnia, a fim de ocupar este último território, então pertencente ao México. Hastings (na imagem acima) publicou um livro sobre essa aventura: The Emigrants' Guide to Oregon and California. Há quem acredite que Hastings tenha pensado na possibilidade de liderar um movimento na Califórnia para torna-la um país independente, ideia essa que teria caído por terra após a guerra entre Estados Unidos e México em 1846, quando a região foi anexada em definitivo à federação norte-americana. De qualquer forma, o desbravador contribuiu para ampliar a população de americanos em relação à de mexicanos naquele território. Após se casar com Charlotte Toler, cuja mãe era venezuelana, Hastings mudou-se para o Arizona. Nesse período atuou também como advogado especializado em títulos de terras. Talvez o seu interesse pela América do Sul tenha surgido nessa época. 
Alinhado aos sulistas durante a Guerra Civil, Hastings concebeu um plano para tomar o Sul da Califórnia, o Arizona e o Novo México para os confederados, ao lado dos quais também lutou. Com a derrota dos sulistas, Hastings viajou para o México e em seguida para o Brasil, verificando locais para implantar colonias de confederados como São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Mas, naquele momento, como já observamos, o prestígio da Amazônia como região a ser desbravada, com disponibilidade de recursos naturais e de terras, acabou prevalecendo.


Em 1866, o major Hastings chegou a Belém do Pará e logo em seguida percorreu o rio Amazonas em um barco a vapor da Companhia de Navegação do Rio Amazonas (pertencente ao Barão de Mauá), com o objetivo de conhecer a região. Hastings entusiasmou-se com o que viu, as madeiras de alto valor e os produtos agrícolas produzidos nas cidades ribeirinhas: café, cacau, açúcar, arroz, algodão, feijão e frutas tropicais. No retorno, Hastings e sua comitiva tiveram excelente impressão de Santarém (na gravura acima, a cidade em 1858), considerando o local em boas condições para receber imigrantes norte-americanos.


Em Santarém, a comitiva de Hastings foi muito bem recebida pelo coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães, Barão de Santarém, que era vice-presidente da Província do Pará (no tempo do Império, os governadores locais eram designados como presidentes). O Barão (imagem acima) tornou-se um grande incentivador da vinda dos imigrantes norte-americanos.
Após a permanência no Pará, Hastings seguiu para a Corte no Rio de Janeiro, onde foi recebido por autoridades e ministros. De volta ao Pará, os norte-americanos foram verificar as terras que lhes foram concedidas próximas a Santarém. As mesmas estavam localizadas entre os rios Amazonas, Curuá e Tapajós. 
Pronto! Agora era só retornar aos Estados Unidos e reunir as famílias interessadas em vir para um novo país. Três integrantes da comitiva de Hastings começaram a preparar a terra e construir casas. O major pediu subsídios de 44 dólares do governo imperial e mais 56 dólares do governo paraense por cada imigrante que fosse trazido para a região. Apesar de não ter obtido este ultimo valor do governo do Pará, o mesmo concedeu 13 mil dólares de ajuda para a vinda dos norte-americanos. No total, cada adulto recebeu 70 dólares para as despesas de viagem ao Brasil. Uma proposta de Hastings foi recusada pelo governo brasileiro, a de que os colonos deveriam reger-se por suas próprias leis e regulamentos!
Hastings regressou à sua cidade de origem, Mobile, no Estado do Alabama, a fim de conseguir os colonos para a empreitada nas selvas da Amazônia e publicou um guia para os mesmos: An Emmigrant's Guide to Brazil, em 1867. Em julho desse mesmo ano, um vapor com 109 imigrantes deixou o porto de Mobile rumo ao Brasil. Contudo, uma avaria no meio do caminho obrigou os passageiros a terem que trocar de navio e, finalmente, alcançar Belém. Consta que mais 72 imigrantes seguiram nesse navio para o Rio de Janeiro e posteriormente para Santa Bárbara D'Oeste em São Paulo. Sabemos os sobrenomes daqueles que ficaram no Pará, entre os quais as famílias Pitts, Jennings, Steele, Vaughan, Emmett, Mendenhall e Pichowski. Estes seguiram para Santarém em um barco chamado "Inca". No começo de 1868, a colônia contava com aproximadamente 200 pessoas. 
Alegando gastos e problemas durante a viagem, Hastings exigiu um pagamento extraordinário e que ele fosse nomeado diretor da colônia com direito a salário. Contudo, o mesmo não havia conseguido cumprir o prazo de seis meses para implantação da colônia. De qualquer forma, um novo contrato estava sendo arranjado entre Hastings e o Ministério da Agricultura do Brasil, onde o norte-americano seria nomeado diretor do núcleo em Santarém e receberia uma boa gratificação anual. Mas, um fato inesperado impediu a concretização desse novo acordo. Na viagem de retorno ao Alabama, em 1868, para trazer novos colonos, o major Hastings faleceu!


Ao mesmo tempo, surgiram dificuldades para aqueles já estabelecidos em Santarém (na foto acima, Santarém na época da presença norte-americana). A ajuda governamental prometida nem sempre era cumprida, o acesso aos lotes era difícil em função da distância, do transporte não ser adequado e das constantes chuvas, que como se sabe, são comuns na Amazônia. Mantimentos e provisões eram difíceis de serem obtidos e caros. Os colonos solicitaram apoio junto ao cônsul norte-americano em Belém. Este enviou informes aos Estados Unidos a respeito da implantação da colônia, apontando vários problemas, entre os quais o fato de muitos imigrantes não estarem familiarizados com o trabalho agrícola, existindo entre os mesmos arruaceiros, aventureiros do Exército Confederado e até criminosos. Além disso, a escolha do local não teria sido bem feita. 
Segundo relato do Presidente da Província do Pará, José Bento da Cunha Figueiredo, feito ao governo imperial em 1869, dos 112 imigrantes trazidos pelo Major Hastings, somados aos que já estavam em Santarém, chegou-se a um total de 192 colonos. Contudo, poucos meses depois, restavam apenas 87. Muitos retornaram ao país de origem e outros se dispersaram, alguns buscando as cidades de Belém, Manaus e a própria Santarém. Aproximadamente 9 famílias permaneceram morando nas terras concedidas ao Major Hastings. 
A partir das descrições deixadas posteriormente por outros viajantes norte-americanos que visitaram Santarém, é possível perceber que os colonos tinham origens sociais diversas. Muitos não tinham recursos próprios, outros sem experiência no trabalho agrícola e de origem proletária, levando o Barão de Santarém, Coronel Pinto Guimarães, a afirmar que os mesmos não foram bem escolhidos. Por outro lado, a saída de uma boa parte dos imigrantes arredios e aventureiros foi boa para os que permaneceram, pois estes passaram a ser mais respeitados dentro da comunidade de Santarém, tanto que outros vieram para a região entre os anos de 1868 e 1874, por conta própria, como os Riker, da Carolina do Sul; os Rhome, do Texas; os Wallace e os Hennington do Mississipi, que deixaram descendência em Santarém e em outras partes da Amazônia. Algumas famílias inglesas também se juntaram ao núcleo em 1871, como foi o caso dos Wickham. A pesquisadora Norma Guilhon, em seu livro "Os Confederados em Santarém", de onde a maior parte das informações desta postagem foram extraídas, menciona algo em torno de uma centena de colonos vivendo no município, no ano de 1874.



Os colonos norte-americanos estabeleceram-se na área mais elevada do município de Santarém, conhecida como Serra do Diamantino. Inicialmente, viviam em casas feitas de madeira e cobertas com palha, bem rudimentares (como a que aparece no desenho acima, uma habitação da família Wickham). Não dispunham de máquinas ou equipamentos, que só mais tarde puderam ser trazidos dos Estados Unidos pelos que permaneceram na colônia. Muitos se dedicaram ao cultivo da cana-de-açúcar e a produção de aguardente (cachaça). Para conseguir dinheiro hipotecavam as colheitas como adiantamento, a fim de comprar mantimentos e ferramentas. As dificuldades com a mão de obra local eram grandes, pois os escravos eram caros e o caboclo livre não estava habituado ao trabalho sistemático. Em geral, esses trabalhadores permaneciam alguns dias e depois abandonavam repentinamente o serviço. Nos primeiros anos, os colonos também se ressentiam da falta de convívio com as demais famílias e da ausência das instituições que fizeram parte de suas vidas nos Estados Unidos: a Igreja Protestante e as escolas. As famílias mais bem sucedidas tiveram uma década de grande esforço, para poderem se estabelecer efetivamente na região. 



A partir de 1873, estradas foram abertas ligando Santarém até os núcleos coloniais com a ajuda do governo provincial do Pará e dos próprios colonos. Duas estradas, Ipanema e Diamantino, ligavam as colônias até Santarém, em uma distância aproximada de 16 quilômetros (como aparece no mapa acima, com o traçado das mesmas, em 1901).



Um reverendo de nome Richard Hennington (foto acima) acabou se estabelecendo no núcleo. O mesmo manteve serviços religiosos em sua fazenda e depois na própria cidade de Santarém, na casa comercial do sr. Rhome. A educação, inicialmente, era ministrada dentro das próprias famílias ou quando uma delas se incumbia da tarefa reunindo os jovens e as crianças. 



Hennington veio em 1868 com sua esposa, Mary Elisabeth e os três filhos do casal: Thomaz, Edwin e Eliza, a mais nova (foto acima). Thomaz e Edwin se casaram com mulheres paraenses. 



Edwin casou-se com Estefânia Bentes (foto acima) e permaneceu morando no Brasil, ao contrário de Thomaz que retornou com a esposa brasileira para os Estados Unidos. 



O casal Edwin e Estefânia teve três filhos: Carmem, Eduardo e Eula (respectivamente na foto acima). Quanto ao Reverendo Hennington, este permaneceu no Brasil e se dedicou inicialmente à sua pequena fazenda, onde montou uma serraria, uma loja de ferragens e uma moenda de cana-de-açúcar. O seu estabelecimento foi tido como o mais importante da colônia confederada. 



Em 1894, quando iniciava uma viagem de visita aos Estados Unidos, o Reverendo Hennington faleceu na cidade de Belém do Pará, onde foi enterrado (na foto acima, o seu túmulo). 



Muitos colonos norte-americanos contribuíram para disseminar o uso do arado de ferro. Além de produzirem açúcar e aguardente (cachaça), montaram serrarias, engenhos movidos a água e se especializaram na construção de carroções para transportar os produtos. Mais tarde, os filhos do já citado Reverendo Hennington dedicaram-se à construção de embarcações. Os motores e as máquinas eram trazidos dos Estados Unidos. A primeira lancha a vapor construída em Santarém saiu das oficinas do reverendo e foi batizada de "Mississipi" (a embarcação maior que aparece na foto acima). Já o primeiro navio a vapor construído na Amazônia saiu do estabelecimento do Barão de Santarém e de seu sócio norte-americano Romulus Rhome. A embarcação chamava-se "Taperinha".
Os colonos também cultivavam produtos agrícolas, como tomate, feijão, arroz, mandioca, caju, pimenta, tabaco, milho e ainda trouxeram uma nova variedade de feijão miúdo, conhecido depois como "feijãozinho de Santarém", originário do Estado de Massachusetts.
De acordo com informações da pesquisadora Norma Guilhon, em 1872 viviam 49 famílias espalhadas pelas serras ao Sul de Santarém, cujos integrantes somavam 77 norte-americanos e 44 ingleses, num total de 121 indivíduos. Ao que parece, nos anos seguintes, o número de ingleses diminuiu consideravelmente. 



Após a década de 1890, muitos desses imigrantes se mudaram para a cidade, onde passaram a ter negócios e a maior parte desses estabelecimentos agrícolas desapareceram. Muitos se dedicaram ao comércio e à exploração da borracha. A própria família do Reverendo Hennington fez isso (na foto acima, a casa do Reverendo em Santarém com oito janelas). 


Em 1871, Robert Henry Riker (imagem acima, em 1866) chegou em Santarém e comprou terras do governo do Pará. Riker junto com o seu irmão Herbert, fizeram as primeiras plantações de seringueiras na Amazônia. Um detalhe curioso é que décadas mais tarde, o industrial norte-americano Henry Ford tentou cultivar a planta na mesma área, às margens do rio Tapajós.
Robert Henry Riker era um empresário do ramo ferroviário nos Estados Unidos e esteve no Forte Sumter, próximo à cidade de Charleston, na Carolina do Sul, quando foi disparado o primeiro tiro dos sulistas que iniciou a Guerra Civil. Riker veio para o Brasil acompanhado de sua esposa e de seus 5 filhos (um bebê de nove meses morreu na viagem). Para a família, de hábitos aristocráticos e integrante da alta sociedade de Charleston, viver em uma região rústica e onde os vizinhos estavam distantes, foi, sem dúvida, difícil. O casal Riker ainda teve um filho aqui no Brasil, batizado de Marlin Amazonas. Contudo, o menino nasceu com deficiências e teve de ser amparado pelos demais irmãos até a idade adulta.


A senhora Sarah Riker (foto acima) e os filhos chegaram a realizar viagens para visitar a terra natal. Segundo nos narra Odete Guilhon, a senhora Riker jamais se acostumou com a mudança de país e viveu triste os seus anos no Brasil, vindo a falecer, ainda nova, em 1877. Quatro anos depois, Robert H. Riker perdeu o seu filho mais velho, Robert, com apenas 29 anos. A filha mais velha Lilla casou-se com Charles Vaughan, de outra família de imigrantes e voltou para os Estados Unidos. A outra irmã, Virgínia, seguiu o mesmo caminho. O patriarca Robert H. Riker faleceu em 1883.


Contudo, seus dois filhos David e Herbert continuaram os negócios da família na cidade. A fazenda no Diamantino foi vendida por David em 1910 (na foto acima, a sede da fazenda quando ainda estava em poder da família).


David Riker (foto acima) deixou um relato escrito onde faz referência à família Wickham, de origem inglesa, a qual mantinha uma escola na cidade de Santarém. Um dos seus integrantes foi Henry Wickham, conhecido por ter levado as sementes da seringueira para o Jardim Botânico de Kew, em Londres. As mesmas foram depois transplantadas para a Malásia, onde foram domesticadas. Tal fato levou ao colapso a produção da borracha na Amazônia, no início do século XX.


David e seu irmão Herbert Riker, acabaram se tornando os administradores dos bens da família após a morte dos pais. Depois de ter ficado viúvo, David casou-se com uma moça de Santarém, de 19 anos, chamada Raimunda ou Dona Mundica, com a qual permaneceu até a sua morte (na foto acima, David Riker já idoso). O casal teve 14 filhos. 


David Riker foi procurado por jornalistas americanos interessados em conhecer o destino dos confederados que vieram para o Brasil. Em 1941, James E. Edmonds, da revista The Saturday Evening Post, veio a Santarém e encontrou David Riker, morando em uma boa casa, a qual podia ser reconhecida facilmente pela águia americana presa na parte da frente segurando o escudo dos Estados Unidos da América (foto acima). Dentro uma grande família, descrita como simpática e alegre. David apresentou a sua esposa e, orgulhoso, disse que a mesma lhe dera 14 filhos, dos quais 11 estavam vivos. O mesmo rememorou os antigos confederados que permaneceram e foram sepultados na própria região, como no caso dos pais de David e de seu irmão mais velho.
David Rilker referiu-se ao empreendimento do industrial Henry Ford (Fordlândia), onde trabalhou como intérprete e dirigiu também o setor de abastecimento de carne. David fez críticas às práticas inadequadas adotadas pelo famoso empresário e que pretendiam mudar a vida do caboclo da Amazônia, como também a forma como o negócio da plantação de seringueiras estava sendo dirigido, à distância, como se fosse "por controle remoto". 



Percebendo que o repórter iria fazer a pergunta "Valeu a pena?", David Riker respondeu: "Estou contente de ter ficado aqui. Deus tem sido bondoso comigo. Os meus filhos são atenciosos. A minha esposa é bondosa e leal. Nada nos falta. Quantos poderão dizer o mesmo". David Riker faleceu em 1954, com 93 anos. Sua esposa, Dona Mundica, morreu em 1975, também com 93 anos!
Outras famílias confederadas permaneceram, como a família Jennings-Vaughan, que veio no grupo do major Hastings, em 1867 e era originária do Tennessee. James Vaughan dedicou-se inicialmente à agricultura e mais tarde, à construção de barcos. 



Um dos filhos do casal Jennings-Vaugham, Jorge Clemente Jennings, permaneceu em Santarém e perpetuou o nome da família na comunidade local, dedicando-se à exploração da borracha como seringalista (na foto acima, sentados Jorge Jennings e sua esposa).
Elísio Sevier Wallace e sua esposa Mary vieram ao Brasil em 1867 ou 1868 e, provavelmente, tiveram os seus filhos aqui no Brasil. Wallace chegou a possuir alguns sítios, ajudou abrir estradas na região e retornou aos Estados Unidos em 1912 para comprar equipamentos e máquinas. Todas as filhas do casal Wallace casaram-se com brasileiros. 



Elísio Wallace viveu em Santarém até a sua morte em 1912, aos 73 anos e deixou descendentes em Belém, Manaus e na própria Santarém (na foto acima, à direita, o sr. Wallace e logo atrás, o seu neto).
Jennings, Hennington, Riker, Wallace, Vaughan...qualquer pessoa atenta aos fatos históricos notaria a presença desses nomes em uma cidade do interior do Pará. Pois foi isso o que ocorreu com Norma Guilhon, esposa do ex-governador do Pará, Fernando José de Leão Guilhon (com mandato entre 1971 e 1975). Ao acompanhar o marido nas viagens pelo interior do Estado reparou nesse detalhe ao visitar Santarém, o que a levou a pesquisar e escrever um livro intitulado "Os Confederados em Santarém", publicado pelo Conselho Estadual de Cultura daquele Estado em 1979. Pelo que se sabe, continua sendo o mais completo estudo a respeito desse episódio da História da Amazônia.
Será que Scarlett O'Hara, a conhecida personagem do romance "...E o vento levou" cogitou de vir para a Amazônia, como fizeram muitas famílias confederadas? No livro escrito por Margaret Mitchell, a América do Sul aparecia como uma possibilidade para os confederados se refugiarem. Rhett Buttler a acompanharia? Bem, aí seria imaginar demais...
Crédito das Imagens:
Foto de Matthew Fontaine Maury: http://www.findagrave.com/cgi-bin/fg.cgi?page=gr&GRid=8835
Foto do grupo de soldados confederados: Senhores coloniais 1850-1900. Coleção História em Revista. Abril Livros/Time Life, 1992, p. 141. 
Foto do presidente Lincoln em 1864, das ruínas da cidade de Charleston e dos mortos em Antietam extraídas do sítio da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos: http://www.loc.gov/
Foto do major Warren Lansford Hastings: Wikipédia
Gravura de Santarém em 1858: Amazônia Urgente: Cinco Séculos de História e Ecologias de Berta G. Ribeiro. Editora Itatiaia Limitada, Belo Horizonte, 1990, p. 51. 
Foto de Robert Henry Riker: http://thiegoriker.blogspot.com.br/2011/09/historia-e-geneologia-da-familia-riker.html
Foto de David B. Riker já idoso: 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Imigra%C3%A7%C3%A3o_estadunidense_no_Brasil
Todas as demais fotos foram extraídas do já citado livro de Norma Guilhon.