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terça-feira, 23 de julho de 2013

Anúncio Antigo 29: Buy Brazil Nuts



Brazil nuts?????? Sim, a nossa castanha-do-pará ou castanha-do-Brasil na classificação oficial. Poucos brasileiros sabem, mas o público norte-americano adora esse produto, típico da Amazônia. Embora a chamemos de castanha, é uma noz, tanto que nos demais países utiliza-se essa denominação, como em inglês "Brazil nut", "noix du Bresil" em francês ou ainda "noce del Brasile" em italiano. Mas, sem a menor dúvida, o público anglo-saxão é o seu mais fiel apreciador. Para se ter uma ideia disso, basta lembrar que uma lenda que corre atualmente nos sites e blogs norte-americanos atribui a esse produto o fato do primeiro presidente dos Estados Unidos, George Washington, ter perdido praticamente todos os seus dentes por morder as castanhas com a casca. Sim, o "pai fundador" da América morreu banguela. Ele tinha o hábito de comer castanhas, mas com certeza, não se tratava da castanha-do-pará, pois em sua época (final do século XVIII) o produto ainda não estava presente no mercado norte-americano. 
Muitos estudiosos atribuem a chegada do produto ao mercado ianque em 1810, o que é plausível, uma vez que barcos de bandeira norte-americana mantinham um comércio continuo com os portos da Amazônia, sobretudo Belém, mesmo antes da independência do Brasil. Foi dessa forma que eles conheceram também uma outra mercadoria importante, a borracha, pois compravam galochas (sapatos) feitas aqui com essa matéria-prima. Durante a rebelião da Cabanagem (1833-1837) ocorrida na antiga província do Grão-Pará contra o Império brasileiro, que custou milhares de mortos, as exportações do produto cessaram, mas logo após, na década de 1840, a castanha voltava ao mercado americano e inglês. Claro que não chegou a alcançar a importância que teve a borracha como matéria-prima nos primeiros tempos da Revolução Industrial. Mas, quando a goma elástica entrou em crise na Primeira Guerra Mundial, foi a castanha que garantiu a sobrevivência de muitos amazônidas.
 Não é possível estabelecer uma época bem delimitada para a exploração da castanha como nos demais ciclos econômicos da história brasileira (açúcar, ouro, café, borracha), embora, a partir da segunda metade do século XIX, esse produto tenha encontrado um mercado permanente no hemisfério norte, sobretudo nas festas de final de ano. No caso específico do sudeste do Estado do Pará, tal fase vai do declínio da borracha (Primeira Guerra Mundial) até a década de 1980, quando as queimadas e o desmatamento puseram praticamente fim à atividade. 



A amêndoa (na imagem acima, as nozes vendidas no mercado Ver-o-Peso, em Belém) da castanha-do-pará (estou optando por utilizar a tradicional denominação, como até hoje é conhecida aqui dentro do Brasil) é retirada de um ouriço (uma espécie de coco) que mede de 8 a 16 cm de diâmetro. Dentro dos mesmos é que são encontras as castanhas. 



Esse ouriço (no desenho acima de 1887, com as amêndoas postas dentro do mesmo) é o fruto da castanheira, uma frondosa árvore da floresta amazônica, que chega a alcançar até 50 metros de altura. Um aspecto curioso da coleta desse fruto é que a mesma é feita no chão, pois ao amadurecerem os ouriços caem das árvores. Contudo, como a copa da árvore é alta, a queda do fruto representa um enorme perigo e pode provocar a morte de uma pessoa, caso seja atingida na cabeça. Em função disso, os castanheiros evitam realizar a coleta quando há muito vento ou em dias chuvosos. O período da safra se localiza entre os meses de janeiro a junho, quando os castanheiros se embrenham nas matas para obter o fruto. 
O produto é consumido pelo público norte-americano na comemoração do Dia de Ação de Graças, no Halloween e, principalmente, nas festas de final de ano. Existe um enorme receituário gastronômico que inclui a castanha, como nas saladas, assados (sobretudo com o tradicional peru), nos bolos, doces e combinando das mais variadas formas com os chocolates. Os importadores norte-americanos criaram uma associação na década de 1930, a "Brazil Nut Association" que tinha a tarefa de promover o consumo da castanha junto ao público da classe média, sobretudo as donas de casa (era essa a expressão da época) e crianças. Vale lembrar que a castanha têm qualidades nutritivas, é muito calórica, e há sessenta anos atrás era recomenda como alimento para as crianças em fase de crescimento. Claro, os meninos e meninas daquele tempo eram mais magros e muitos médicos recomendavam um reforço alimentar (aqueles que, como eu, já passaram dos cinquenta anos, vão se lembrar disso). 
Da mesma forma que ocorreu com a seringueira (Hevea brasiliensis, de onde é obtida a borracha), tentou-se adaptar a castanheira (nome científico: Bertholletia excelsa) na Ásia, muito provavelmente para se estabelecer um cultivo racional e com maior produtividade. Trata-se de um típico caso de biopirataria, para utilizarmos um termo mais atual. No caso da seringueira, sabemos muito bem qual foi o resultado, a concorrência da produção asiática atingiu em cheio a economia do Brasil e da Amazônia. Mas, no caso da castanheira isso não ocorreu. O tempo de amadurecimento da árvore é muito longo e só começa a frutificar entre os 12 e os 15 anos de vida, para atingir a plena produção após os 20. O processo de polinização é feito port insetos típicos da mata amazônica. Por outro lado, a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias) conseguiu desenvolver uma tecnologia que reduz o tempo de germinação da semente e da frutificação. 



A fazenda Aruanã (imagem acima), nas proximidades de Manaus, já produz a castanha-do-pará em sistema de cultivo racional. Qual será o futuro do produto: a forma extrativista de produção na própria floresta ou o cultivo? Muitos defendem que a manutenção do extrativismo é uma maneira de ajudar a manter e preservar a floresta amazônica. Contudo, a remuneração dada ao coletor pelos intermediários que comercializam a castanha, é muito baixa. Nos últimos anos, várias iniciativas foram feitas no sentido de agregar mais valor ao produto, como por exemplo, realizar o beneficiamento (descascamento da castanha) no próprio local da produção
Vale lembrar que o desmatamento da Amazônia constitui uma grande ameaça à continuidade da extração da castanha. O sudeste do Estado do Pará, onde se localiza o município de Marabá, já foi o maior produtor de castanhas no Brasil. As queimadas e a derrubada da floresta (inclusive da castanheira, apesar de ser protegida por lei) quase que fizeram desaparecer a produção local. Este foi um dos fatores que contribuiu para que o Brasil perdesse a liderança mundial na venda da "Brazil nut" para a Bolívia. Aliás, os bolivianos não gostam muito que o produto continue a ter no exterior o nome de "Brazil nut", por razões óbvias. 



Atualmente, uma das possibilidades de melhor aproveitamento da castanha-do-pará (na imagem acima, os frutos da castanheira reunidos após a coleta) está no setor de biocosméticos, que aproveita o óleo da castanha para a fabricação de xampus, creme para tratamento de pele e sabonetes. O mercado têm absorvido, desde a década de 1970, os produtos com o "selo verde", que retiram os recursos da floresta, sem destruir a mesma. É a tal da sustentabilidade. Sabe-se também que, por ter uma boa quantidade de selênio, o consumo da castanha poderia prevenir determinados tipos de câncer. 
Bem, enquanto isso, continuemos a apreciar a saborosa castanha-do-Brasil (ou do pará, como insistem os paraenses e este que vos escreve), tomando um certo cuidado com as calorias. 
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado na revista americana "Woman's Home Companion", edição de 12.01.1952, página 104.
Crédito das demais imagens: 
O ouriço ou fruto da castanheira representado em desenho, foi extraído da revista Scientific American Supplement, n. 598, de 18.06.1887.
As  fotos pertencem ao acervo do autor.