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quarta-feira, 19 de junho de 2013

Movimento Passe Livre: E Agora?




O Brasil está se surpreendendo nos últimos dias com algo que não se imaginava há algum tempo atrás. O povo saindo às ruas para protestar. Mas protestar contra o quê? O motivo que detonou as manifestações é algo que já deveria ter gerado protestos há muito tempo: o valor exagerado das passagens de ônibus e metrô. Não se trata nem de preço de Primeiro Mundo, porque neste último não chega a ser tão elevado, quase dois dólares. É um absurdo que uma parcela considerável da população tenha tolerado por tanto tempo isso. As manifestações (imagem acima, integrantes do Movimento Passe Livre no protesto de ontem na capital paulista) foram muito bem vindas e colocaram a possibilidade de abrir a "caixa preta" do transporte público, sobretudo em São Paulo, onde um verdadeiro e misterioso cartel de empresas controla o sistema, seguindo o modelo empresarial de "Don Corleone". 
Pois bem, a iniciativa coube ao Movimento Passe Livre (MPL), que retomou uma bandeira de luta dos tempos da prefeita Luiza Erundina, quando foi eleita para o cargo em São Paulo no já distante ano de 1988, aliás pelo Partido dos Trabalhadores. A ideia original era tirar recursos do Imposto Territorial Urbano (IPTU) para subsidiar o valor das passagens, o que implicava, claro, em um aumento progressivo deste (os ricos pagariam mais) para que toda a sociedade se beneficiasse de um transporte público barato e de qualidade. Contudo, os setores mais conservadores rejeitaram a proposta e a mesma foi derrotada na Câmara Municipal. Agora, o MPL retomou a ideia, que não é utópica como querem alguns mal informados, e teve o grande mérito de trazê-la para as ruas, pagando um preço caro por  isso, por meio da repressão policial, do ataque de todos os meios de comunicação que compõem a grande mídia e das classes médias que hostilizaram os pioneiros do movimento chamando-os de "vândalos".


O curioso é que a repressão policial foi tão violenta que vitimou jornalistas da própria mídia que faziam a cobertura dos protestos, ou seja, o "feitiço virou-se contra o feiticeiro" (na imagem acima, fotógrafo é atingido por spray de pimenta por um integrante da Polícia Militar). A repercussão foi péssima para as autoridades que tinham declarado que as policias agiriam com energia. 
Um aspecto fundamental foi colocado em evidência por esses primeiros manifestantes: os limites de nossa democracia. Para algumas causas a rua pode ser tomada e para outras não. Por que não ocupar a avenida Paulista? Para a Passeata do Orgulho Gay pode (e não tenho nada contra isso), para os shows da Globo no final do ano pode, para montar presépios de Natal e atrair a classe média que vive enfiada em shoppings pode. Nestes casos, não atrapalham os hospitais e nem o trânsito. A grande mídia aplaude. Quando é para protestar por uma causa social justa, aí não pode. Nossa democracia é pela metade? Serve para alguns e não para outros? Esses "primeiros jovens" que saíram às ruas e colocaram a cara para bater tiveram esse grande mérito, de colocar essa democracia engessada em questão. Um conhecido historiador da antiguidade clássica, Moses Finley, há quarenta anos questionava a democracia norte-americana por temer o confronto, o debate e as contradições. Em função disso, começava a perder a sua vitalidade. Mas não é exatamente esse o cerne da democracia? Por que temê-la? 
Os protestos acabaram atraindo a atenção nacional e embalada pela péssima repercussão da repressão policial, outros jovens e até a classe média, que antes criticava o movimento, acabaram saindo às ruas nesta última segunda-feira (dia 17.06) protestando contra outras questões que não faziam parte da pauta original. Sim, foi um desabafo: Copa da Mundo, FIFA, corrupção na política, governos, pedidos por educação, saúde, entre outras coisas. Foi ótimo e bonito de se ver, em várias capitais do Brasil o povo se manifestou.


Mas ontem, dia 18.06, na manifestação na praça da Sé, marco zero da cidade de São Paulo (imagem acima), pudemos perceber que o movimento, ao mesmo tempo em que ganhava adesões em termos quantitativos, começava a perder em termos qualitativos. Cartazes com reclamações as mais variadas: contra a corrupção, contra os impostos, contra a Copa do Mundo, Fora Dilma, Fora Haddad, Fora Alckimin, Fora Globo, Fora Datena...Ou seja, contra tudo e contra todos. É o sinal da dispersão, é exatamente isso o que querem os responsáveis pelo transporte público, a perda do foco. E estão conseguindo, infelizmente. 


Num certo momento, o MPL se desgarrou dos demais manifestantes, talvez percebendo que os rumos do protesto estavam sendo desvirtuados, e iniciaram uma passeata pela ladeira Porto Geral (que dá acesso à famosa 25 de Março, a rua das compras populares da capital paulista) e alcançando o terminal de ônibus do Parque D. Pedro II (na imagem acima, integrantes do movimento passam diante de um posto da Polícia Militar). Num determinando instante, quando os manifestantes alcançavam o viaduto que levaria à avenida Rangel Pestana, no bairro do Brás (início da Zona Leste de São Paulo) os manifestantes do Passe Livre pararam, sem saber se deveriam continuar ou não. Alguns queriam chegar à avenida Radial Leste (principal artéria de ligação com a Zona Leste de São Paulo) e outros ir até o prédio da Prefeitura no viaduto do Chá, mesmo alguém avisando que o prefeito já não estava mais lá. Esta última opção foi a escolhida e chegando na sede da Prefeitura, outros manifestantes já estavam por lá e alguns (infiltrados?) iniciaram o ato violento que marcou as manifestações de ontem, que até então corria de forma pacífica e com apoio dos transeuntes que andavam pelo centro e dos próprios motoristas, que embora parados no trânsito, pareciam perceber o quanto o protesto era justo e necessário. Posso assegurar, nenhum integrante do MPL iniciou os atos de vandalismo de ontem.


Embora o movimento não aceitasse as bandeiras de partidos e a presença de nenhuma de suas lideranças, mesmo as de esquerda, parece que o MPL esteja carecendo de um comando firme e que conduza o movimento aos seus objetivos originais. Por outro lado, as passeatas estão sendo invadidas por aqueles que querem tirar proveito das manifestações em prol de outras causas, que no momento, não fazem parte da pauta de reivindicações. Isso é perigoso. Embora muitos digam que é coisa do passado, existe esquerda e existe direita. Esta última trabalha com objetivo claro de pulverizar o MPL e dispersá-lo.
 A discussão do problema do transporte coletivo envolve uma gama enorme de questões e de temas que estão na ordem do dia: a mobilidade urbana; o uso desproporcional dos automóveis; questões relativas ao meio ambiente e a poluição; a planilha de custos do transporte público que precisa ser exposta de forma clara e democrática; a gestão da cidade em termos de qualidade de vida para os seus habitantes entre outros graves problemas. O MPL teve o grande mérito de criar a oportunidade para que tudo isso  fosse discutido. Trazer agora, outras bandeiras de luta, vagas e sem um alvo claro, pode prejudicar o encaminhamento dessa importante demanda popular. 
Apesar de tudo isso, vi também algo positivo, a tentativa de se levar o movimento para as periferias e os bairros pobres, que sofrem demais com as tarifas absurdas e o transporte de péssima qualidade. Afinal, é uma causa popular.
Não temos condições aqui de avaliar o movimento nas demais capitais, mas ao que parece, a questão do transporte também foi o fator que acendeu as manifestações. Pode ser que em outras cidades existam problemas mais específicos e cabe a esses movimentos não permitir que os mesmos fiquem obscurecidos. 
Não devemos esquecer daqueles que nos primeiros dias dos protestos contra o aumento das tarifas mandaram a polícia bater e bater pesado. Estes devem dar satisfações à sociedade, por dar essa ordem, por restringir o direito de livre manifestação, por incitar de forma violenta a sociedade contra os "primeiros jovens" que saíram às ruas e daqueles, como o motorista transloucado da Paulista, que jogaram os seus automóveis contra os meninos que lutavam por uma cidade melhor.
O MPL deve trabalhar a partir de agora para dar maior consistência ao movimento e evitar que se perca nas outras generalidades, que podem servir aos setores menos interessados em discutir ou debater o problema do transporte público. Quanto mais genéricas são as bandeiras de luta, maior a tendência de que o movimento seja apropriado por setores da sociedade que irão procurar manipular essas causas em benefício próprio. 
Sim, somos todos brasileiros, temos a mesma bandeira, mas quem ganha com a construção dos estádios da Copa ou com o dinheiro arrecadado das tarifas de ônibus também é. Os canalhas, nessas horas, também sabem cantar o Hino Nacional....
Crédito das imagens: 
Policial com spray de pimenta: www.rededemocratica.org.
Demais imagens: História Mundi. 


quinta-feira, 6 de junho de 2013

Imagens Históricas 13: Simón Bolívar





Simón José Antonio de la Santísima Trinidad de Bolívar y Palacios, ou simplesmente Símon Bolívar, chamado também de El Libertador. Foi com esse título que ficou conhecido o mais importante líder da independência da América Espanhola, retratado na imagem acima no ano anterior à sua morte, abatido pelos anos de guerra e pela tuberculose. O personagem desse retrato é o tema de hoje de nossa seção "Imagens Históricas". Além de ser o maior de todos os "Libertadores da América" foi aquele que estava mais bem sintonizado com os ideais revolucionários de seu tempo e com o pensamento da Era das Luzes, o Iluminismo. Portanto, não lhe faltavam ideias a respeito do futuro da América do Sul após séculos de domínio colonial.



Nascido na cidade de Caracas, na antiga capitania da Venezuela em 1783, de uma tradicional família de grandes proprietários de terra de origem espanhola (portanto, um legítimo crioulo). Os Bolívar eram donos de minas de prata e de cobre, de fazendas de gado e plantações de cana-de-açúcar, índigo e cacau. Em apenas uma de suas propriedades, a família tinha mais de 1.200 escravos. Os Bolívar ainda possuíam vários imóveis em Caracas (na imagem acima, a casa onde nasceu Bolívar, em uma foto da década de 1930). 


A elite crioula detinha o poder econômico nas antigas colônias espanholas, geralmente como grandes proprietários de terras (as famosas haciendas, como na ilustração acima), mas faltava-lhe o poder político, privilégio reservado aos nascidos na Espanha, que ocupavam os cargos mais importantes da administração colonial. A maior parte da população, constituída de mestiços (ou pardos), escravos de origem africana e indígenas, sofriam com os trabalhos pesados e não possuíam nenhum tipo de direito legal.  
Bolívar teve uma formação aristocrática. Esteve na Espanha e chegou a frequentar a Corte em Madri. Casou-se e ficou viúvo com apenas 21 anos. Retornou à Europa, viajando pela França, Inglaterra e Itália. Nessa segunda viagem ao velho continente, acompanhado de seu mentor Símon Rodrigues, tomou contato maior com as idéias iluministas de igualdade, liberdade e dos direitos naturais do homem, que aplicadas ao plano das colônias, tinham um sentido revolucionário naquele momento. O filósofo francês Jean Jacques Rousseau foi uma de suas leituras e serviu de inspiração filosófica ao futuro revolucionário. Contudo, pensou, como colocá-las em prática em um continente que estava sob domínio europeu?


Ainda na Europa, Bolívar assistiu à coroação de Napoleão como imperador da França e teve contato com o famoso naturalista de origem alemã Alexander von Humboldt (imagem acima), recém chegado de uma viagem à América do Sul. Este teria dito a Bolívar: "Creio que seu país está pronto para a independência" e acrescentou "mas não vejo o homem que possa realizá-la." Impulsionado talvez por essa declaração e após ter realizado um juramento no famoso Monte Sagrado na cidade de Roma (palco das antigas sublevações da plebe contra os patrícios da Roma Antiga) de que libertaria o seu povo do domínio espanhol, Bolívar retornou em 1807 para a América. Veio disposto a liderar a independência de sua terra natal. 
O mundo vivia uma situação turbulenta. Napoleão Bonaparte expandia o seu território na Europa e já havia invadido Portugal e a Espanha. Neste último país, despojou do poder o rei Fernando VII e em seu lugar instalou José Bonaparte, seu irmão, como monarca. Tal mudança acabou precipitando a situação nas colônias espanholas da América do Sul, as quais, em um primeiro momento, juraram fidelidade ao rei espanhol deposto, por meio das juntas governativas locais lideradas pelos crioulos. 
Logo depois, a situação na Espanha se agravou e Napoleão enfrentou uma dura resistência por parte da população local, fortemente apoiada pela Inglaterra inimiga. Diante disso, a junta governativa da Venezuela depôs o governador espanhol em Caracas e assumiu o poder com o objetivo de criar uma república autônoma. Contudo, o movimento necessitava do reconhecimento de outros governos e com esse objetivo, uma missão foi enviada à Inglaterra, chefiada por Bolívar. Os ingleses relutavam em apoiar um movimento de independência contra os espanhóis, que nesse momento, eram seus aliados na luta contra Napoleão. Mas em Londres, Bolívar encontrou um antigo rebelde venezuelano, Francisco de Miranda e convidou-o para se juntar à luta como comandante militar. Em 5 de julho de 1811 foi publicada uma declaração de independência e a Venezuela parecia se tornar a primeira colônia hispânica livre das Américas. Mal sabia Bolívar e os demais líderes que isto era apenas o início de uma longa luta. 
Mesmo dentro da Venezuela, nem todas as províncias aceitavam a autoridade dos republicanos de Caracas e mesmo entre estes, surgiu uma rivalidade entre Bolívar e Miranda. Para complicar mais a situação da jovem república, em 26.03.1812 um forte terremoto atingiu Caracas, matando pelo menos 10 mil pessoas. Muitos viram isto como um castigo dos céus pelo fato da Venezuela desobedecer ao rei espanhol Fernando VII. Os padres, fiéis ao princípio do direito divino dos reis, formavam o grupo mais fiel à Coroa. 
Uma força militar espanhola comandada por Juan Domingo Monteverde avançou sobre a Venezuela e impôs uma derrota ao comandante rebelde Francisco de Miranda, que teria aceito uma recompensa em dinheiro dos espanhóis para fugir, mas antes que isto ocorresse foi detido por Símon Bolívar e entregue aos espanhóis. Miranda passou o resto de seus dias preso. A repressão imposta por Monteverde foi terrível, prendendo os rebeldes crioulos e confiscando as suas propriedades. Bolívar conseguiu escapar para o exílio em Cartagena, no vizinho Vice-Reino de Nova Granada (que corresponde aos atuais Panamá, Colômbia e Equador). Ao avaliar o fracasso da Primeira República Venezuelana, Bolívar considerou que a desunião dos rebeldes facilitou a reação espanhola e de que só um "poder terrível" poderia varrer os espanhóis do continente. 
Com o apoio dos rebeldes de Nova Granada, que já iniciara um processo de rompimento com a Espanha, Bolívar começou uma nova campanha militar em direção aos llanos (planícies) da Venezuela e avançou dos Andes até Caracas em três meses. Seu exército que era de 700 homens alcançou 2.500 com as adesões que ganhou no caminho. A cada localidade tomada aos espanhóis acrescentava em suas cartas o termo "libertada", daí o cognome que lhe seria atribuído: El Libertador. Caracas foi ocupada e em 06.08.1813 foi declarada a Segunda República Venezuelana, a qual nascia despedaçada e arruinada economicamente.


O novo governo não era reconhecido em todo o território, como por exemplo, entre os llaneros mestiços e semi-selvagens (equivalentes a grosso modo aos vaqueiros dos pampas e aos caubóis do oeste norte-americano) liderados por José Tomás Boves, um espanhol que ganhara a vida com o contrabando. A guerra de independência era uma oportunidade para que estes promovessem saques, incêndios e estupros pelas localidades por onde passavam. Boves, lutando a serviço dos espanhóis, castigava os seus prisioneiros com torturas bárbaras, amarrando-os às árvores sob o sol escaldante, furando os seus corpos com lanças, enviando a cabeça dos mesmos para as esposas ou matando os filhos na frente dos pais. Além de mais esse inimigo, Bolívar enfrentava a rivalidade com os seus auxiliares, como Francisco Santander (imagem acima) e o general Mariño. A Segunda República fracassou e Bolívar se retirou de Caracas. A luta de independência nunca fora tão violenta. 


A queda de Napoleão (imagem acima) e a restauração da monarquia espanhola ampliaram a repressão até Nova Granada. Bolívar foge para a Jamaica, onde redigiu a famosa Carta da Jamaica apontando a necessidade da união das colônias que já lutavam pela independência, embrião daquilo que tempos depois ficaria conhecido como o pan-americanismo. Depois de uma tentativa de assassinato, Bolívar dirigiu-se para o Haiti, a segunda república independente das Américas e também a primeira república negra. O presidente e ex-escravo Alexandre Pétion deu ajuda financeira e militar a Bolívar e este prometeu abolir a escravatura nos territórios que fossem libertados, o que ocorreu de forma plena somente em 1854, vinte e quatro anos depois da morte de Bolívar. 
A nova invasão da Venezuela foi feita pelo interior e novamente Bolívar enfrentou as rivalidades entre os seus comandados, um deles o mulato Manuel Piar, que acabou sendo executado. Um fator favorável para o Libertador, agora ele podia contar com os llaneros e seu novo comandante José Antonio Páez, mestre na guerra de guerrilhas. Além destes, Bolívar constituiu um corpo de mercenários de origem britânica (os redcoats) recrutados após o fim das guerras napoleônicas na Europa. O anglófilo (admirador da Inglaterra) Bolívar finalmente pode contar com a ajuda inglesa, embora sem um caráter oficial, para a causa da independência. Bolívar obteve também suprimentos, armas e equipamentos comprados a crédito na Inglaterra.
Em uma reunião realizada na cidade de Angostura, interior da Venezuela, Bolívar propõe uma constituição e a união da Venezuela com Nova Granada em uma Grã-Colômbia. Nessa mesma reunião foi escolhido presidente da Terceira República da Venezuela. Em 07.08.1819, na batalha de Boyacá, os republicanos derrotaram os espanhóis e dois anos depois, em Carabobo, a Venezuela foi conquistada e Bolívar entrou vitorioso em Caracas. Nascia a Grã-Colômbia, composta pela Venezuela, Nova Granada e Quito, atual Equador. Depois de conquistar Guayaquil, principal porto do Equador, em 1822, Bolívar voltou as suas atenções para o Perú, último reduto espanhol na América do Sul. Mas, um outro libertador ganhava notoriedade nesse momento, promovendo as lutas no Vice-Reino do Prata e no Chile pela independência, o argentino José de San Martin. Este também tinha interesse em levar a sua luta até o Alto Perú.


O encontro entre os dois grandes líderes ocorreu em Guayaquil. Bolívar não pretendia fazer concessões a San Martin (imagem acima), que antes de participar das guerras de independência lutou a serviço da Espanha e era monarquista. Dizia-se que pretendia convidar um príncipe Bourbon da Europa para governar a América do Sul. Os detalhes dessa reunião nunca serão completamente conhecidos e durante um jantar oferecido por Bolívar ao ilustre convidado, San Martin abandonou subitamente a festa. O caminho ficou aberto para Símon Bolívar, com a ajuda de seu mais fiel general, Antonio José de Sucre, conquistar o Perú e o Alto Perú em 1825, região que depois teria o nome de Bolívia em homenagem a ele. A Espanha estava definitivamente derrotada. 
Simón Bolívar planejava uma confederação na América do Sul reunindo os estados independentes e de uma liga que serviria para arbitrar os conflitos territoriais, estabelecer princípios comuns para os novos estados e a defesa das jovens nações. Para colocar em prática o projeto, Bolívar convidou delegados de todas essas nações e também dos Estados Unidos e da Inglaterra para uma reunião no Panamá em 1826. O congresso foi um fracasso e as novas nações estavam mais preocupadas em tratar de suas desavenças internas, algo que preocupava o próprio Bolívar, pois a Grã-Colômbia estava dividida na luta entre o general Santander e o llanero Páez. 
Para restaurar a ordem na Grã-Colômbia, Bolívar passou a defender soluções mais autoritárias, afirmando: "Sem força, não há virtude". Com isso, distanciava-se cada vez mais dos outros líderes liberais e caminhava para a defesa de um poder mais despótico. A sua própria segurança pessoal encontrava-se ameaçada. Em 25.09.1828 escapou de uma tentativa de assassinato em Bogotá com a ajuda de sua mulher Manuela Sáenz que distraiu os assassinos para dar tempo a Bolívar de fugir e se esconder em um buraco. O general Santander estaria envolvido nesse atentado e foi exilado. 
Em 08.05.1830, Bolívar renunciou ao comando político e em seguida foi expulso da própria Venezuela pelo novo governo instalado em Caracas. O Libertador estava com a saúde debilitada pela tuberculose e emocionalmente abalado pelos dissabores da situação política. Um mês antes de morrer afirmou: "A América é ingovernável. Os que servem à revolução aram o mar. A única coisa a fazer na América é emigrar."
No dia 17.12.1830, Símon Bolívar faleceu em uma propriedade no litoral da Colômbia. Doze anos depois seus restos mortais foram levados de volta para Caracas, quando o ódio que seus inimigos nutriam contra ele se dissipou. Os líderes crioulos assumiram o lugar dos antigos governantes espanhóis e a Inglaterra preencheu o vazio econômico deixado pela Espanha. As haciendas avançaram sobre as antigas terras comunais dos índios e estes ficaram privados de seus meios de sustento. A escravidão ainda perdurou por muitos anos, apesar do discurso de liberdade proclamado por Bolívar. 


Atualmente, a figura de Simón Bolívar inspira a política venezuelana voltada para uma maior justiça social, proclamada pelo falecido presidente Hugo Chávez, que em 2012 mostrou ao mundo o resultado do trabalho de exumação de seus restos mortais e da reconstituição computadorizada daquilo que seria o seu verdadeiro rosto (imagem acima). 
Por sua vez, o famoso filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), pai do socialismo científico, não deixou uma visão tão heroica do ilustre "Libertador". Marx foi contratado em 1857 por Charles Dana, diretor do jornal "New York Daily Tribune" para escrever artigos a respeito de história militar, biografias e outros temas para a "New American Cyclopaedia" e daí veio o verbete sobre Simón Bolívar. Na descrição feita pelo filósofo, Bolívar se acovardou em várias batalhas que poderiam ter sido decisivas e entregou o general Francisco Miranda aos espanhóis apenas para livrar-se do mesmo e não por este ter traído a causa da independência. Dado à vida boêmia (neste aspecto todos os estudiosos concordam), ao comportamento despótico, ditatorial e centralizador, Bolívar teria atraído contra si a indignação de seus compatriotas. Marx também dá a entender que o apoio da legião britânica foi pelo menos tão importante para o desfecho da guerra de independência quanto a liderança de Bolívar. O texto de Marx ficou perdido e foi redescoberto apenas em 1935. Será que esses pontos de vista são argumentos fortes para uma revisão da figura do Libertador?
Uma boa iniciativa do governo venezuelano foi abrir para o público o acervo de documentos de Bolívar, que podem ser consultados pela internet. O acesso está na coluna "Links Interessantes" do blog História Mundi.
A Imagem Histórica de hoje (mais ao alto) é uma pintura a óleo de 1829 retratando Bolívar, extraída da coleção História em Revista 1800-1850: a força da iniciativa, da editora Abril/TimeLife, publicada em 1992, página 92. Não há indicação da autoria da obra. 
Para saber mais:
O Libertador: A Vida de Simón Bolívar, de Moacir Werneck de Castro. Editora Rocco, 1988. (edição esgotada).
Simón Bolívar por Karl Marx:
www.marxists.org/portugues/marx/1858/mes/bolivar.htm

Crédito das imagens:
Casa de Bolívar em Caracas: Simón Bolívar. Col. Os Grandes Líderes. Nova Cultural, 1987, p. 46.
Imagens da hacienda e de Napoleão Bonaparte: Coleção História em Revista 1800-1850: a força da iniciativa. Abril/Time Life, 1992, páginas 87 e 8 respectivamente. 
Retratos de Humboldt e San Martin: Wikipédia.
Retrato de Francisco Santander: História das Civilizações, vol. V. Editora Abril, 1975, p. 16. 
Imagem computadorizada de Bolivar: www.simonbolivar.gob.ve