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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Imagens Históricas 11: viaduto do Chá




Em 1877 existia um problema grave no centro da cidade de São Paulo: realizar a travessia do vale do Anhangabaú. Afinal de contas esse vale, por onde passava o rio que lhe deu nome (Anhangabaú na língua tupi significa "bebedouro dos demônios") e onde existiam plantações de chá, separava duas partes importantes da antiga área central. Era enorme a dificuldade para se chegar ao então conhecido morro do Chá (lado direito na foto acima), onde hoje está situado o Teatro Municipal de São Paulo (que naquela época ainda não existia). 
A iniciativa para resolver o problema coube a um cidadão francês chamado Jules André Martin. Proprietário de uma oficina litográfica (para fazer gravuras) conhecida pelo nome de "Imperial Litografia" (apesar do nome, seu proprietário era fiel às ideias republicanas), Martin era também um destacado empresário e empreendedor. Naquele mesmo ano  de 1877 ele apresentou uma proposta dirigida à Prefeitura para a construção de um viaduto atravessando o vale do Anhangabaú. O empresário se propôs a realizar a obra, mas em troca exigia o direito de cobrar um pedágio para pedestres e veículos (claro que na época os mesmos eram de tração animal) que cruzassem o novo viaduto. 
Para a execução do projeto foi constituida a Companhia Paulista Viaduto do Chá e subscritas ações para a mesma. A partir daí o projeto ganhou força e em 1888 a construção teve início. Uma armação metálica vinda da Alemanha foi encomendada para a estrutura do viaduto. Contudo, os trabalhos demoraram e em função da falta de dinheiro, os direitos da obra foram transferidos para a Companhia de Ferro Carril de São Paulo, que concluiu a construção. 
A inauguração ocorreu em 06.11.1892 com uma grande festa. Várias ruas do centro foram enfeitadas e o viaduto também. O Presidente do Estado (designação dada na época ao cargo de governador) Bernardino de Campos cortou a fita verde e amarela e atravessou o viaduto acompanhado pela multidão. Contudo, um dia após a inauguração começou a cobrança do pedágio: 60 réis para pedestres e 200 réis para bonde (com tração animal ainda). Quatro anos depois, a Câmara Municipal de São Paulo encampou o viaduto e extinguiu a tarifa que até então era cobrada dos pedestres (conhecida como pedágio dos "três vinténs") e também dos veículos. 


Cinquenta anos depois de sua inauguração o velho viaduto começou a se mostrar obsoleto para suportar o tráfego pesado. A cidade de São Paulo tornara-se um grande centro industrial e o automóvel começava a fazer parte da paisagem urbana. Um estudo feito por vários engenheiros concluiu pela necessidade de se construir um novo viaduto de concreto armado. Em 18.04.1938, o primeiro viaduto do Chá começou a ser demolido para dar lugar ao novo, que é mostrado na imagem acima, em uma foto de 1948, dez anos depois da demolição do antigo viaduto. Nesta imagem podemos notar a transformação ocorrida no morro do Chá. Do lado direito, já estava em pé o prédio da companhia de eletricidade "Light" (atualmente Shopping Light) e à esquerda o prédio modernista (ainda em obras naquele ano) que abrigou a famosa loja de departamentos "Mappin".  Na frente deste último está o Teatro Municipal de São Paulo, que não aparece nessa fotografia. 
Embora o automóvel já fizesse parte do cenário urbano, nota-se que no final da década de 1940 o centro de São Paulo era limpo e frequentado pela elite social, que lá comparecia para fazer suas compras, ir aos restaurantes e frequentar os cinemas da antiga "Cinelândia" (cujo eixo era a avenida São João). 
Um grande erro cometido pelos administradores municipais desde essa época foi a prioridade dada ao automóvel em detrimento do transporte coletivo. A cidade ainda não tinha linhas de metrô, que só começou a ser construído no final da década de 1960, quando São Paulo já se tornara uma grande metrópole. Enfim, o preço dessa política pouco racional está sendo pago até hoje e o "paradoxo dos parodoxos", quando finalmente o metrô chegou a essa região ela foi abandonada pela elite e pela classe média, que fugiram para os Jardins ou para os condomínios mais distantes. Enfim, eis a cidade pouco funcional que existe hoje. 
A foto mais acima do primeiro viaduto do Chá é de 1912 e foi tirada por Guilherme Gaensly. Já a segunda de 1948 é de autoria de Pierre Verger.
Parte das informações sobre a história do famoso viaduto (e a foto de 1912) foram consultadas em:
 http://www.facebook.com/memoriaviva

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Imagens Históricas 10: Barão de Mauá



Irineu Evangelista de Souza, Barão e depois Visconde de Mauá (foto acima). O maior empresário do Império Brasileiro tornou-se exemplo de empreendedorismo na segunda metade do século XIX. Era o momento em que o país abolia o tráfico de escravos e aplicava a Tarifa Alves Branco (1844) deixando as mercadorias importadas mais caras. Tais medidas tiveram impactos na economia nacional, liberando recursos financeiros que passaram a ser aplicados na agricultura, em bancos e depois em ferrovias. Tratava-se de um momento favorável para aqueles que quisessem diversificar um pouco os seus investimentos, embora a agricultura, principalmente o café, fosse a atividade fundamental e a elite da sociedade brasileira marcada por um forte perfil aristocrático e avessa às outras iniciativas. 
Foi nesse momento que ganhou notoriedade a figura do futuro Barão de Mauá. No Império Brasileiro os títulos de nobreza eram conferidos pelo imperador a apadrinhados ou figuras que tivessem algum destaque no cenário nacional. Mauá colocava-se neste último caso. Afinal de contas, em 30.04.1854, a nobreza imperial, os ministros e o próprio imperador D. Pedro II estavam no porto de Estrela, na Baía de Guanabara, para a inauguração da primeira ferrovia brasileira que ia até o pé da serra em direção a Petrópolis. A estrada de ferro foi produto da iniciativa de Irineu Evangelista, que a partir daquele momento tornava-se o Barão de Mauá (Mauá era o antigo nome do porto de Estrela). 


Irineu Evangelista nasceu em uma região de fronteira, no Rio Grande do Sul com o Uruguai, em 1813. Após a morte do pai (assassinado em um litígio envolvendo gado), Irineu foi enviado para o Rio de Janeiro onde trabalhou durante muitos anos para um comerciante português, Antonio Pereira de Almeida. Entre outros negócios, esse comerciante traficava escravos. Irineu começou a trabalhar com apenas nove anos e aprendeu o ofício de caixeiro e contador. Tido como habilidoso, continuou na empresa quando esta foi vendida para um escocês, Richard Carruthers (foto acima), que atuava no Brasil com apoio do Governo Britânico (sob a proteção das leis britânicas, mesmo estando em território brasileiro). Com Carruthers, Irineu foi introduzido nos domínios da Economia Política e no pensamento liberal de Adam Smith, bem como na Maçonaria, organização que tinha uma enorme influência na sociedade daquela época. 


Em 1840 Irineu Evangelista visitou a Inglaterra e ao retornar casou-se com Maria Joaquina de Souza Machado (sua sobrinha que tinha apenas 16 anos, vista na imagem acima). O casal teve 18 filhos, dos quais 11 nasceram com vida. Acumulando uma pequena fortuna na empresa de Carruthers e em sociedade com o mesmo, Irineu adquiriu a antiga fundição da Ponta de Areia, em Niterói, transformada depois em um grande estaleiro. Há informações de que Irineu Evangelista tenha se envolvido na Revolta Farroupilha (1835-1845) contra o Império, ajudando alguns de seus líderes a escaparem da prisão no Rio de Janeiro (sua família no Sul participou do movimento). Tal atuação talvez tenha contribuído para que surgissem algumas restrições à sua imagem junto ao Governo Imperial.
Com a fundição de ferro de Ponta de Areia, Irineu pode adquirir a concessão governamental para o fornecimento de tubos que serviram para a canalização do rio Maracanã na cidade do Rio de Janeiro. Com o estaleiro, Irineu começava  a prosperar e em 11 anos, 72 navios sairam de lá, inclusive os barcos que participaram dos conflitos no rio da Prata envolvendo Brasil, Uruguai e Argentina. Outra concessão governamental deu a Irineu o direito de explorar a navegação comercial a vapor no rio Amazonas. Da fundição de Ponta da Areia vieram também os canos para a iluminação a gás na cidade do Rio de Janeiro. Aliás, a companhia de gás de Mauá, instalada em uma área de mangue, acabou vitimando vários de seus funcionários que foram atingidos pela febre amarela (a área de manguezal era um criadouro natural para o mosquito transmissor), inclusive dez engenheiros e técnicos ingleses. 


Em 1854 veio a já citada inauguração do primeiro trecho da ferrovia Rio-Petrópolis e o título pelo qual ficou conhecido, Barão. A locomotiva (foto acima), chamada de "Baronesa" em homenagem à esposa de Mauá, percorreu 15 quilômetros de trilhos em 23 minutos. Era a terceira ferrovia da América do Sul. Contudo, tornou-se deficitária por não atravessar a região serrana, o que só foi conseguido em 1882, quando a ferrovia já não pertencia mais a Mauá. 
A construção da ferrovia Santos-Jundiaí também contou com a participação do Barão de Mauá, que reuniu capitais de vários investidores, inclusive na Inglaterra. Apesar dos prejuízos pessoais que teve, a ferrovia saiu e foi inaugurada em 1867. Tornou-se a "São Paulo Railway" dos ingleses. Para esse empreendimento, Mauá empenhou recursos próprios para financiar empreiteiros, o que resultou em uma dívida destes para com Mauá de quase meio milhão de libras. A demanda se arrastou por anos na justiça e foi um dos fatores que levaram o empresário à falência. 
No auge de sua atividade empresarial, em 1860, o Barão de Mauá tinha o controle de 17 empresas localizadas em seis países. Em 1867, seus ativos foram estimados em 155 mil contos de réis ou o equivalente a 155 milhões de libras esterlinas. Para se ter uma ideia, o orçamento do Império Brasileiro nessa mesma época era de 97 mil contos de réis ou 97 milhões de libras.
Em 1872, Mauá ainda realizou outro importante empreendimento, o cabo telegráfico submarino ligando o Brasil com a Europa e o imperador enviou mensagens ao papa e à rainha da Inglaterra. Com esse feito, veio o título de Visconde de Mauá. 


Mauá apoiou financeiramente e também por meio dos barcos construidos em seu estaleiro de Ponta da Areia, a intervenção militar do Império Brasileiro no Uruguai e na Argentina em 1852, para deter a política de Manoel Rosas, presidente argentino, de controlar o rio da Prata. Com a vitória do Brasil, Mauá tornou-se credor do Uruguai e fortaleceu sua presença lá por meio do Banco Mauá, que emitia títulos (imagem acima) que funcionavam como papel-moeda. Mauá acabou comprando uma enorme fazenda de gado e participando de negócios naquele país. Contudo, sofreu em meio às disputas políticas entre o Partido Blanco e o Partido Colorado pelo controle do poder em Montevidéu nos anos seguintes. 
Como financista, Mauá soube tirar proveito das flutuações cambiais. Em 1857 conseguiu vantagens diante da desvalorização da libra esterlina em relação ao mil-réis. Nessa altura, já tinha participado da criação do segundo Banco do Brasil. O sucesso de Mauá no mercado financeiro como especulador atraiu investidores ingleses, pois oferecia juros mais altos para aqueles que investissem no Brasil. 
Seus negócios se expandiam à medida em que o crédito se contraia. Da mesma forma que a situação criada pelo fim do tráfico e pelas tarifas protecionistas de 1844 favoreceram os negócios de Mauá, as novas circunstâncias surgidas em 1860 acabaram por prejudicar os seus novos empreendimentos. A reforma Silva Ferraz que reduziu as tarifas sobre importações contribuiu para reduzir o custo de vida, mas carreou muitos recursos que eram originários do café para o exterior. Ao mesmo tempo, facilitou a entrada de equipamentos e matérias-primas importados, prejudicando o estaleiro e a fundição de Ponta da Areia, que faliu (além disso, as instalações foram destruídas por um incêndio suspeito em 1857). 
Não existia naquele momento, por parte do Governo Imperial, uma visão voltada para o desenvolvimento da indústria, pois aceitava-se a ideia de que a agricultura e o café garantiriam ao país a prosperidade. Para conseguir recursos, Mauá acabou por vender os seus negócios aos ingleses, como aconteceu com a Cia. de Iluminação a Gás, a empresa de navegação no rio Amazonas e a participação nas ferrovias. Mauá terminou seus dias falido, o que não significa que estivesse pobre, muito pelo contrário. Saldou todos os seus compromissos e ainda conseguiu levantar-se financeiramente como corretor de café. Irineu Evangelista de Souza faleceu em 1889, poucos dias antes da Proclamação da República, aos 76 anos. 
Em 1995, o jornalista Jorge Caldeira lançou o livro "Mauá: Empresário do Império" onde foram descritas as dificuldades do empresário com o Governo D. Pedro II e alguns de seus integrantes.  O livro passa a ideia de que o Governo Imperial não era simpático às iniciativas do empresário e tolhia a livre iniciativa no Brasil. De fato, as posições liberais de Mauá, contrário à escravidão e à Guerra do Paraguai, prejudicaram suas relações com alguns membros do poder monárquico. 
Por outro lado, suas relações externas fizeram de Mauá um representante dos interesses ingleses aqui no Brasil, em função de ter se associado com os mesmos em vários de seus empreendimentos, como a Companhia de Navegação no Rio Amazonas, a Estrada de Ferro São Paulo Railway (Santos-Jundiaí), o Banco Mauá, entre outros. Seus negócios  acabaram por abrir as portas ao capital inglês que naquela época se espalhava pelo mundo por meio do setor de serviços, infraestrutura, companhias de navegação e ferrovias.
A visão maniqueísta que coloca a simples oposição entre a livre iniciativa e o Estado Brasileiro foi muito influenciada pela ideologia neoliberal da década de 1990, quando o livro de Caldeira foi escrito. Muitos dos empreendimentos de Mauá, como a sua entrada no Uruguai e as concessões no setor de transportes, foram realizados com apoio do Governo Imperial. 
Talvez um estudo mais completo sobre o Barão de Mauá ainda esteja para ser feito, inclusive com fontes documentais a serem pesquisadas na Inglaterra. 
A Imagem Histórica de hoje (foto de Mauá mais acima) é de autoria de Joaquim Insley Pacheco e pertence ao Museu Histórico Nacional. Não há indicação da data em que a mesma foi tirada, suspeitando-se que seja por volta de 1870, quando Mauá se aproximava dos 60 anos. 


Para saber mais:
Caldeira, Jorge. Mauá: Empresário do Império. Companhia das Letras, 1995.
Imagens: fotos do empresário Richard Carruthers, da Baronesa de Mauá, da locomotiva "Baronesa" e do título emitido pelo Banco Mauá foram retiradas da Coleção Grandes Personagens da Nossa História, Editora Abril, 1969.


sexta-feira, 22 de junho de 2012

A novela Gabriela: versão 1975 parte III




Meus caros amigos e leitores. As duas postagens a respeito da novela Gabriela versão 1975 surpreenderam o blog História Mundi. Por isso, reuni aqui algumas informações adicionais e acrescento um trabalho do pintor, desenhista e gravador Aldemir Martins (na imagem acima "Flor e Fruto de Cactus" de 1965, que inspirou a capa do disco "Gabriela") que contribuiu muito para o aspecto visual da novela que permaneceu em nosso imaginário.
Acredito que muitos que assistiram a mesma, ou em 1975 ou nas reapresentações (como na seção "Vale a Pena Ver de Novo" da própria TV Globo em 1992) tenham satisfeito algumas curiosidades. Tais informações podem também ser úteis para uma comparação com a versão que está sendo levada ao ar. Ainda é prematuro fazer uma avaliação definitiva, mas ao que parece, a novela começou bem. É possível reparar a preocupação do autor Walcyr Carrasco em não ficar preso à versão anterior, o que é louvável. Os coronéis, por exemplo, apresentam características bem diferentes e Antonio Fagundes faz um coronel Ramiro mais expansivo (para alguns, mais próximo do Bruno Mezenga de "o Rei do Gado") do que aquele vivido por Paulo Gracindo, um pouco mais sério e circunspecto. Temos também um Nacib menos ingênuo do que o representado por Armando Bogus. E Ivete Sangalo convencendo como Maria Machadão. Esta foi para mim, até agora, a maior surpresa. Seu sotaque natural ajuda muito. 
Mas existe algo de 1975 que não pode ser reconstituido, o clima político vigente no país. Não há dúvida que o mesmo se refletia na produção artística, nos textos, nas músicas e nos demais setores da vida cultural em geral. Era preciso contornar, muito sutilmente, a censura da época por meio do uso de metáforas. Chico Buarque foi um mestre nessas "artimanhas". 
Algumas novelas foram até impedidas de irem ao ar. Foi o caso da primeira versão de "Roque Santeiro" (1975) e da novela "Despedida de Casado" (1977), que já tinham capítulos gravados. Tal fato veio a se constituir em um forte argumento em defesa da emissora com relação aqueles que a associavam com a Ditadura Militar. Ora, como uma emissora que estava ao lado do governo, teria novelas censuradas? 
O então executivo todo poderoso da emissora, Walter Clark, cita um episódio no livro "O Campeão de Audiência" (da Editora Best Seller, publicado em 1991), referente a uma implicação que os militares tiveram com a utilização dos termos "coronel" e "capitão" aplicado aos personagens Odorico Paraguassu e Zeca Diabo na novela "O Bem Amado" de 1973 (primeira novela em cores da tv brasileira). Um general insinuou que se tratava de uma crítica indireta contra a ditadura feita pelo autor, Dias Gomes, que era um notório comunista. Coube a Clark explicar que os dois termos tinham um sentido honorífico e surgiram nos tempos da Guarda Nacional do Segundo Império (1840-1889). A censura também impunha restrições ao uso das palavras "ódio" e "vingança" pois talvez pudessem fazer alusão ao ódio entre as classes pregado pelos comunistas.



Por falar em comunistas, que tal Jorge Amado (foto acima, ao lado da esposa e também escritora Zélia Gattai), que já tinha sido deputado do Partido Comunista Brasileiro e escrito uma biografia de Luis Carlos Prestes? Essas histórias, considerando-se que as mesmas tenham sido verdadeiras, deu origem ao mito de que Roberto Marinho se impôs junto aos militares: "dos meus comunistas cuido eu". Chico Anysio gostava de lembrar essa frase para enaltecer o espírito do jornalista diante das pressões da ditadura. Só não existe uma explicação mais clara a respeito de programas como "Amaral Neto: O Repórter", que fazia elogios às obras da ditadura, como a rodovia Transamazônica e a ponte Rio-Niterói. Ou ainda a falta de cobertura jornalística para um evento como a Campanha das Diretas Já, em 1984, quando a censura prévia não existia mais. 
Ainda com relação à novela "Gabriela", no capítulo do dia 12.05.1975, os atores Pedro Paulo Rangel e Cidinha Milan apareceram nus. Os dois viviam os personagens Juca Viana e Chiquinha. Esta última era uma das mulheres do coronel Coriolano (interpretado por Rafael de Carvalho). Os dois foram flagrados na cama pelo coronel, que como castigo, mandou os seus jagunços atirarem os dois na rua em meio a um temporal e sem as roupas. Contudo, o diretor da novela Walter Avancini teve que gravar a cena à distância por recomendação da censura. 


A novela projetou Sonia Braga (foto acima, em 1970, cinco anos antes de interpretar Gabriela), mas a atriz já era conhecida nas novelas "Irmãos Coragem" (1970-1971), "Selva de Pedra" (1972-1973) e no programa infantil "Vila Sésamo". Depois da novela "Gabriela" vieram os filmes "Dona Flor e seus Dois Maridos", "A Dama do Lotação" e "Eu te Amo". Em seguida, no início da década de 1980, a fase americana com "O Beijo da Mulher Aranha" e até aparecer como apresentadora em uma cerimônia de entrega do Oscar. 
Minhas lembranças da novela envolvem também duas atrizes que participaram da mesma: Maria Fernanda e Eloisa Mafalda. Respectivamente, as personagens dona Sinhazinha e Maria Machadão. Em 1986, durante uma viagem a Ouro Preto, acompanhado por um grupo de estudantes, visitei o antigo teatro da cidade e de repente ouvimos a voz de uma mulher declamando poemas, como se estivesse ensaiando (de fato estava). Eram trechos do "Romanceiro da Inconfidência" da poetisa Cecília Meirelles. E eis que, para minha surpresa, lá estava a filha da famosa poetisa. Sim, era a atriz Maria Fernanda. Muito simpática, reservou um lugar no camarote do teatro e vimos o seu espetáculo como convidados especiais, com direito a um abraço nos camarins. A atriz vive atualmente no Rio de Janeiro. Com relação a Eloisa Mafalda, conheci-a durante uma viagem entre as cidades de Jundiaí e São Paulo. Uma mulher não parava de falar no ônibus da Viação Cometa. Na minha cabeça imaginei, conhecia essa voz de algum lugar. Parecia a voz da Maria Machadão. Era a própria... 
Crédito das Imagens: 
Pintura de Aldemir Martins: Aldemir Martins: Natureza a Traços e Cores de Jacob Klintowitz, publicado pela Valoart S.A., 1989, p. 37. Foto do casal Jorge Amado e Zélia Gattai do jornal "Ultima Hora" de 27.05.1957. Foto de Sonia Braga, jornal "Ultima Hora" de 01.07.1970.







sexta-feira, 15 de junho de 2012

A novela Gabriela: versão 1975 parte II



Meus caros amigos e leitores. Não imaginei que a última postagem que lembra a versão da novela "Gabriela" de 1975 (acima uma das pinturas de Aldemir Martins, feita especialmente para a novela) tivesse uma quantidade tão grande de acessos. Por outro lado, muitas das informações que encontrei, além de minha própria lembrança da novela, acabaram ficando de fora para que a postagem não ficasse extensa demais. Ao invés de mexer na postagem anterior, acrescento-as agora.
Em primeiro lugar, aquela versão não foi a primeira adaptação da obra de Jorge Amado, "Gabriela, Cravo e Canela" para a televisão. De acordo com o livro "Almanaque da TV", de autoria de Rogério Sacchi (o Rixa) e de Renata Mafra, no ano de 1961 foi gravada a primeira novela em videoteipe da televisão brasileira, exatamente "Gabriela, Cravo e Canela", pela TV Tupi do Rio de Janeiro. O folhetim era exibido às terças e quintas-feiras e teve um total de 42 capítulos. Nessa adaptação, um dos papéis centrais, o do Dr. Mundinho Falcão ficou com o famoso ator de teatro Paulo Autran. 
Mas, voltemos à versão de 1975. Como no romance de Jorge Amado, a história se passava em 1925, após uma grande seca que deslocou milhares de retirantes, entre os quais se encontrava a jovem Gabriela. Devemos situar a época, como sendo a última fase da chamada Primeira República (1889-1930) e também o começo do declínio do poder dos coronéis (grandes fazendeiros) no Brasil, que iriam enfrentar as transformações decorrentes do início da industrialização, da urbanização e também da grande crise econômica mundial, a partir do ano de 1929. 


É nesse contexto que transcorre a história da personagem Gabriela e de seu envolvimento com o comerciante "turco" Nacib (na verdade, da Síria, região que pertenceu ao Império Turco Otomano, daí vários imigrantes dessa região serem chamados erroneamente naquela época de turcos). Paralelamente ocorria o conflito político do coronel e intendente (prefeito de Ilhéus) Ramiro Bastos, com o seu opositor, exportador de cacau e proveniente de uma rica família paulista, o Dr. Mundinho Falcão (interpretado por José Wilker, na foto acima). Com idéias inovadoras, Mundinho Falcão se associa à oposição local e propõe, entre outras coisas, modernizar e ampliar o porto de Ilhéus. Mundinho apaixona-se pela neta do coronel Ramiro, Jerusa .
O último capítulo da novela teve uma cena antológica, talvez a melhor de toda a teledramaturgia nacional. Após a morte do coronel Ramiro Bastos, o Dr. Mundinho, vestido de branco e o novo chefe político da cidade, têm as suas mãos beijadas pelas baianas de Ilhéus, antigo gesto de respeito aos coronéis. A cena lembra o enredo do filme "o Leopardo" do diretor italiano Luchino Visconti: "é preciso mudar para que tudo continue como está". Os antigos coronéis se conciliam com o novo chefe. 
A história teve um impacto tão grande no imaginário dos moradores de Ilhéus, que muitos deles garantiam que Gabriela e Nacib existiram de fato. Algo parecido com o que acontece na cidade de Verona, na Itália, palco da clássica história de "Romeu e Julieta", escrita por William Shakespeare. 
Como dissemos na postagem anterior, Sonia Braga (que não foi lembrada na matéria do Fantástico do dia 10.06 sobre a nova versão) não era a única opção para o papel. Segundo o jornalista Paulo Senna, o diretor da Globo Daniel Filho, chegou a convidar a cantora Gal Costa para viver Gabriela, mas esta declinou. Outra atriz, Ana Maria Magalhães também foi cogitada, por ser morena, mas a escolha acabou ficando com Sonia.


Um destaque especial vai para os atores que interpretaram os coronéis na versão de 1975 (na foto acima, da esquerda para a direita, Paulo Gracindo, Castro Gonzaga e Francisco Dantas). Alguns já tinham experiência anterior no "coronelismo". Era o caso de Gilberto Martinho (o coronel Melk Tavares) que foi também coronel na primeira versão da novela "Irmãos Coragem" de 1970. Castro Gonzaga (coronel Coriolano) interpretou um coronel numa novela muito interessante chamada "Meu Pedacinho de Chão" de 1972 (telenovela "educativa", que passava a visão oficial da questão da terra no Brasil, nos tempos da Ditadura Militar e era exibida simultaneamente pela TV Globo e TV Cultura de São Paulo). Portanto, a novela estava muito bem em termos de "atores coronéis". 
Como não lembrar também do ator Fulvio Stefanini como Tonico Bastos, filho do coronel Ramiro, galanteador e mulherengo incorrigível. Seu personagem até ganhou espaço nos humorísticos da emissora depois do fim da novela. 


A adaptação ganhou o concorrido prêmio da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) como melhor produção de 1975. A atriz Elizabeth Savala (imagem acima), no papel da rebelde Malvina, filha do coronel Melk, ganhou prêmio revelação (era a sua estréia em novelas). Outra que estreou foi a atriz Natalia do Vale, no papel de uma das prostitutas do Bataclan.
Como afirmei na postagem anterior, vamos aguardar a nova versão, pois a responsabilidade é grande. Como também disse o ator José Wilker, uma das razões do sucesso da versão de 1975 foi a escolha dos atores. Acertou na mosca...
Crédito das imagens veio do site do jornal "O Globo" no blog Nostalgia:
http://oglobo.globo.com/cultura/kogut/nostalgia/posts/2012/06/04/gabriela-rede-globo-1975-447486.asp
A pintura de Aldemir Martins veio do álbum com a trilha sonora da novela Gabriela (acervo do autor).

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Anúncio Antigo 17: Silvio Santos



Há décadas este apresentador (ou animador?) está no ar. Contudo, poucos vão lembrar que ele já trabalhou em mais de uma emissora ao mesmo tempo e pior, em duas emissoras que eram rivais: a TV Globo e a TV Tupi. Aos domingos, o dia inteiro na Globo e nas quintas-feiras à noite na extinta TV Tupi. Os horários eram comprados pelo apresentador. Houve época em que as gincanas (ou "game shows" como foram chamados mais recentemente) faziam a alegria dos telespectadores juntamente com os programas de perguntas e respostas, dos quais "O Céu é o Limite" foi talvez, o mais famoso. 
Foi então que Senor Abravanel, mais conhecido como Silvio Santos teve a ideia de lançar um programa de gincanas entre cidades do interior chamado "Cidade contra Cidade". Era o ano de 1968. Na atração eram formadas duas equipes, uma de cada cidade, que se enfrentavam em uma espécie de jogo, onde vencia o time que cumprisse todas as tarefas que eram propostas. Ao final de cada uma das tarefas o "homem sorriso" (apelido dado a Silvio) soltava para o auditório: missão cumpridaaaaa... Nos anos seguintes vieram outros quadros no mesmo estilo em seu programa dominical, como por exemplo, "Só Compra Quem Tem" (claro, os participantes poderiam ter as compras realizadas nas lojas do Baú da Felicidade e o carro do candidato vencedor vinha da concessionária Vimave, de propriedade do próprio Silvio Santos), "Namoro no Escuro", "Quem Sabe Mais: o Homem ou a Mulher", o conhecidíssimo "Qual é a Música" e o "Roletrando" (título que deu margem a uma série de piadas pornográficas infames), entre outros. 
Em "Cidade contra Cidade" a última gincana sempre era a mais difícil, do tipo trazer para o programa um ator de Hollywood. Juro para vocês leitores que alguns competidores chegaram ao ponto de cumprir tal tarefa. Era como nas  antigas gincanas infantis dos nossos velhos tempos de infância: vamos fazer o que o seu mestre mandar? Com um mestre dos programas populares como Silvio Santos a audiência era certa.
O Anúncio Antigo de hoje foi publicado na Revista Veja do dia 09.07.1969, p. 62. 

sábado, 9 de junho de 2012

A novela Gabriela: versão 1975





Mais um "remake" de novela da década de 1970. Depois de "O Astro" é a vez de "Gabriela", sucesso de 1975 e que transformou a atriz Sonia Braga em estrela nacional e até mesmo, internacional. A história foi baseada no romance do escritor baiano Jorge Amado, "Gabriela, Cravo e Canela", um dos grandes êxitos literários do autor. Na época, o lançamento foi associado às comemorações dos dez anos de existência da TV Globo. Para todos aqueles que, como eu, têm na memória a primeira versão, a comparação com a nova adaptação será cruel. "Gabriela" pode ser colocada como um dos maiores êxitos da teledramaturgia nacional e contou com um elenco impecável, o que ajudou em muito no sucesso da trama, que naquela época, era exibida como a novela das dez horas da noite e destinada a um público mais adulto. 




Impossível não lembrarmos do grande Paulo Gracindo no papel do coronel Ramiro Bastos, do excelente Armando Bogus como o turco Nacib  (na foto acima ao lado de Sonia Braga), de Heloisa Mafalda como a dona do bordel Bataclan, Maria Machadão (que agora será vivida pela estreante Ivete Sangalo), de José Wilker como o dr. Mundinho, só para citar alguns. Essa novela foi aquele caso no qual todo o elenco parecia estar em perfeito entrosamento, todos deram conta de seus personagens. 
A trama foi ao ar entre janeiro e maio de 1975. A adaptação do romance foi feita por Walter George Durst e a direção de  Walter Avancini com um total de 132 capítulos. Foi a primeira novela da Globo a ser exibida em Portugal e ainda inspirou um filme homônimo, dirigido por Bruno Barreto, tendo a própria Sonia Braga no papel título e, pasmem, o ator italiano Marcello Mastroianni como Nacib. 
Da mesma forma que está ocorrendo hoje em relação à atriz Juliana Paes, Sonia Braga não era unanimidade para o papel principal. Um dos motivos alegados era o fato da atriz não ter a pele mais escura para caracterizar a personagem Gabriela. Isso foi resolvido com uma tintura para bronzeamento da pele que deu um ar mais brejeiro para a atriz. 
Por outro lado, devemos também lembrar o contexto da época. Em 1975, o país começava a falar em "distensão" e "abertura" na então prolongada Ditadura Militar (1964-1985) comandada pelo general de plantão, Ernesto Geisel. Apesar da história referir-se ao tempo do coronelismo na Primeira República (1889-1930), ela também refletia alguns aspectos da realidade política e social do Brasil daqueles tempos ditatoriais. Os opositores dos coronéis do cacau em Ilhéus, no Sul da Bahia, buscavam  uma maior participação política com seus discursos e jornais de oposição, como no Brasil o partido da oposição, o MDB, também buscava no Congresso acelerar o processo de abertura política. 
No plano social, a luta das mulheres pelo direito de decidirem o próprio destino, livres do forte patriarcalismo que imperava na década de 1920, tinha eco na realidade da época, onde o assassinato de uma mulher por ter cometido adultério ou a simples traição ainda eram respaldados na tese da defesa da honra pelo homem (é só lembrarmos o caso da socialite Angela Diniz, morta pelo namorado "Doca" Street dois anos depois, em 1977). Temas como esse e a liberdade de imprensa foram colocados no ar em plena época da censura, pois também eram tratados na obra literária que inspirou toda a trama. 
Difícil não associar a perseguição aos jornalistas de oposição na novela com um fato real que ocorreu no final daquele ano, depois da novela ter terminado, que foi a morte de Vladimir Herzog e a prisão de vários outras jornalistas em um dos últimos suspiros violentos da então ditadura, já agonizante. 



Combinando tudo, a trilha sonora, também excepcional e criando todo o clima que envolvia o ambiente dos personagens. Nomes importantes da MPB, como Maria Bethânia, Moraes Moreira (em um belo solo no "Guitarra Baiana"), João Bosco, Alceu Valença, a então revelação Fafá de Belém e um desconhecido Djavan, estavam entre os que colaboraram com as músicas. Ah, claro, já ia me esquecendo de Gal Costa com "Modinha para Gabriela" escrita por Dorival Caymmi, que ao que tudo indica, deve voltar como trilha principal nesse "remake". 
 O "bolachão" original vinha com a foto da atriz Sonia Braga e o título da novela (foto mais ao alto). O sucesso foi tão grande, que gerou um outro disco complementar: Uma Noite no Bataclan.
Dentro do álbum, vinham as ilustrações do grande pintor e desenhista Aldemir Martins (detalhe acima), que também assinava a abertura da novela (sem nada de computação gráfica). 
Pois bem, depois de tudo isso, vamos apenas aguardar a nova versão. Que responsabilidade...
Crédito das fotos: ilustração de Aldemir Martins e capa do álbum com a trilha sonoral original da novela "Gabriela" (acervo do autor). Foto de Armando Bogus e Sonia Braga foi extraida do site: retrovamoslembrar.blogspot.com.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Exposição de Modigliani no MASP




A mostra do pintor Amedeo Modigliani intitulada "Imagens de uma Vida" está aberta à visitação no Museu de Arte de São Paulo (MASP). Trata-se de uma boa oportunidade para um primeiro contato com a obra desse grande artista do modernismo europeu. Modigliani nasceu na cidade de Livorno, na Itália, em 1884. Oriundo de uma família de origem judia, Modigliani foi educado em pleno contato com a boa cultura e a arte, apesar das dificuldades financeiras enfrentadas pelos seus pais logo após o nascimento do artista. Por volta de 1898, Modigliani já está se dedicando à pintura e estuda com o mestre Guglielmo Micheli, um dos expoentes da arte "machiaioli" (conhecida por tentar fugir ao academicismo tradicional pelo uso da mancha ou "macchia" em detrimento da linha, daí o nome dado a essa escola) que teve papel importante na formação do artista. Contudo, os temas dos pintores "machiaioli", paisagens e naturezas-mortas, não entusiasmavam o irrequieto Modigliani. 
Tentando buscar outros rumos para o seu trabalho, Modigliani deixou a provinciana Livorno, indo para Florença e depois Veneza, onde frequentou o Instituto de Belas Artes até 1905. Daí em diante, estabeleceu-se em Paris, a "Meca" dos artistas daquele início de século XX. Lá deixou-se influenciar pelo trabalho de Paul Cézanne, que já estava sendo reconhecido como um dos primeiros mestres da pintura moderna ou aquele que fez a transição do impressionismo para a mesma.
Em Paris, Modigliani conhece nomes importantes da arte daquele início de século XX, como Renoir, Picasso, Utrillo, o futuro muralista mexicano Diego Rivera, o escultor romeno Brancusi e o pintor Matisse entre outros. A vida boêmia, a bebida e o uso do haxixe consomem a sua saúde, que já era frágil desde a sua juventude, quando era acometido de problemas pulmonares. 


Por um momento, entre 1911 e 1913, Modigliani trabalhou com esculturas, onde já se percebia a atração pela figura humana e pelo corpo feminino, que se tornariam os temas predominantes em seu trabalho, como no quadro acima, que faz parte da mostra, intitulado "Jovem Mulher de Olhos Azuis". A atração pela escultura foi breve (o pó das pedras prejudicava o seu frágil pulmão) e logo em seguida, ele retomou o trabalho como pintor. A influência da arte africana (que também pode ser vista no trabalho dos pintores cubistas) e da escultura grega clássica são incorporadas ao trabalho de Modigliani e contribuiram para o traço peculiar que o artista deu às figuras retratadas, como o pescoço longo e as formas arredondadas. 
A partir de 1914 a sua obra começou a ser timidamente reconhecida. Foi o ano em que teve início a Primeira Guerra Mundial e devido à sua saúde, Modigliani foi liberado do alistamento militar. Em 1915 produziu mais de 50 obras e o seu estilo pessoal de representar a figura humana  já estava se consolidando.
Não podemos enquadrar Modigliani em nenhuma das correntes modernistas das artes plásticas daquele momento, como o pós-impressionismo, o cubismo ou o fauvismo. A sua obra é pessoal e uma síntese das várias influências que recebeu. A forma como a figura humana aparece em seus trabalhos é resultado desse intenso processo de formação, do amadurecimento como pintor e da interpretação peculiar das várias correntes artísticas que o precederam. Modigliani tornou-se o pintor da figura humana por excelência, nos retratos e nús femininos. 




A relação amorosa com a jovem pintora Jeanne Hébuterne (retratada na pintura acima feita em 1918, que não faz parte da mostra) traz uma certa estabilidade ao artista, apesar do agravamento de sua saúde.


É dessa época a "Grande Figura Nua Deitada" (1918), destaque maior da exposição no MASP (na imagem acima). Nesse momento, o marchand (negociante de arte) Leopold Zborowski torna-se o seu mecenas (protetor) e foi retratado em vários trabalhos de Modigliani. Os nús expostos em uma galeria de Paris em 1917 levaram a polícia a retirar os trabalhos, vistos como ousados e ofensivos para a época. Em 1918, Modigliani e Jeanne têm uma filha, mas a saúde do artista piora, como também os excessos com o álcool. 
Em 21 de janeiro de 1921, Modigliani morre em Paris com apenas trinta e seis anos. No dia seguinte, Jeanne Hébuterne, gravida de oito meses do pintor, cometeu suicídio. Mas a obra de Modigliani já ocupava um lugar de destaque dentro do modernismo, o suficiente para colocá-lo como um dos grandes nomes da arte no início do século XX.
A presente exposição não faz jus à importância do artista. Poucas obras vieram para a mostra, que no máximo, permitirá ao visitante um primeiro contato com o seu trabalho e, principalmente, com os seus anos de formação na Itália e em Paris. Um erro imperdoável foi o fato dos trabalhos disponíveis do pintor nos museus do Brasil não estarem na exposição. 


O MASP possuiu em seu acervo meia dúzia  de pinturas de Modigliani, das quais apenas uma identifiquei na mostra. Trata-se do retrato de Madame G. van Muyden, pintado entre 1916 e 1917 (imagem acima). Os retratos de Leopold Zborovsky e de Diego Rivera, que também fazem parte do acervo permanente do museu, seriam importantes para compor a mostra atual. Da mesma forma, o autorretrato que se encontra no Museu de Arte Contemporânea da USP, o único feito pelo artista e pintado pouco antes de sua morte,  poderia completar o período mais importante de sua carreira. Razões burocráticas e de calendário impediram que isso fosse feito. Ao mesmo tempo, o espaço reduzido para a exposição cria sérios inconvenientes para o público. Outro agravante, o catálogo oficial da mostra ainda não está disponível para os visitantes. Na livraria do museu pode ser adquirido um livro de Modigliani, mas sem nenhuma das obras expostas. 
Pois é, como diz o velho ditado, "santo de casa não faz milagre". Pelo menos neste caso, não fez mesmo.
No momento em que o Brasil está entrando no circuito internacional dos grandes shows e exposições é uma falha grave. De qualquer forma, pela grandeza do artista, a mostra merece uma visita.
Para ver:
"Modigliani: Imagens de uma Vida".
De 17.05 a 15.07.
Museu de Arte de São Paulo (MASP), na avenida Paulista, 1578, São Paulo (SP).
De terça a domingo, das 11 às 18 horas, sendo que nas quintas-feiras a exposição fica aberta até as 20 h.
Ingressos: 15 reais (inteira) e 7 reais (meia). Menores de 10 anos e maiores de 60 anos não pagam.
Às terças-feiras a entrada é gratuita para todos.
Crédito das imagens: MASP (folheto da exposição) e Amedeo Modigliani. Editora Sirrocco, Londres, 2006 (edição portuguesa distribuida pela Lisma) retrato de Jeanne Hebutérne. 

sábado, 2 de junho de 2012

Anúncio Antigo Politicamente Incorreto




Uma contradição dos tempos atuais. Nunca a ditadura da beleza foi tão forte, sobretudo no que diz respeito ao sexo feminino. Nunca o corpo da mulher foi tão mercantilizado e eis que nos deparamos com este anúncio, que foi retirado de circulação por agredir a imagem das enfermeiras. A propaganda, que não está completa na imagem acima, vinha com a frase: "Todos precisam de um check-up." Tratava-se de um anúncio para a fábrica de automóveis General Motors produzido pela agência McCann-Erikson no ano de 2003. A peça publicitária sugere a necessidade de revisão dos automóveis, da mesma forma que um indivíduo deve ir sempre ao médico. O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo não gostou da comparação feita com a figura da enfermeira e da sua imagem erotizada no anúncio. Uma reclamação foi apresentada ao CONAR, Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária, que justificou a retirada da propaganda alegando que a mesma "externa imagem não condizente com a realidade, traduzindo uma falsa ideia acerca da profissão, além de desrespeitar a moral e os bons costumes." Com relação às enfermeiras está justificado. Agora, desrespeito a moral e os bons costumes? Então todos os canais de televisão deveriam sair do ar...
A imagem do anúncio encontra-se no livro "Conar 25 anos - Ética na prática", de Ari Schneider, editora Terceiro Nome, 2003. 

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Coincidências: Lincoln e Kennedy

De vez em quando, ler algo que não represente um conhecimento científico ou que não agregue valor do ponto de vista cultural, não é algo nocivo, principalmente nos tempos de hoje, onde simplesmente o fato de um indivíduo estar lendo já é relevante. Lembramos dos antigos almanaques dos séculos XIX e XX, que traziam curiosidades, muitas vezes inúteis, mas que em determinadas ocasiões podiam servir de ponto de partida para um aprofundamento em um determinado assunto ou até mesmo um "convite" para realizar a introdução em uma disciplina específica. Por exemplo, muitas pessoas passaram a ter certo interesse pela história por meio de pequenas curiosidades daqueles almanaques, do tipo, quem inventou o quê ou como surgiu tal coisa. Não é por outra razão que livros como "O Guia dos Curiosos" de Marcelo Duarte, fazem sucesso entre os leitores, que ainda na época da internet têm interesse nessas informações relacionadas com a chamada cultura geral ou ainda "cultura inútil". Mas, na verdade, nenhum conhecimento é inútil, ao contrário do que crê o senso comum.
Por isso, a postagem de hoje não têm por finalidade fazer com que o leitor vá correndo se aprofundar em um tema ou que a informação venha a ter a finalidade de transformar o mundo. Trata-se apenas de uma deliciosa bobagem e um festival de coincidências que envolvem dois grandes personagens da história norte-americana: Abraham Lincoln e John Kennedy. 
Há cinco ou seis anos, um aluno me mostrou essas coincidências, dizendo tê-las tirado da internet. Esta semana, uma amiga "virtual" de Facebook enviou-me a mesma lista. Portanto, não tenho como identificar o autor das mesmas, que praticamente se tornaram de domínio público, como ocorrem com as piadas. A única coisa que posso afirmar é que o raciocínio e os dados são quase todos corretos. Quase...




Como sabemos, o presidente Abraham Lincoln (imagem acima da Biblioteca Digital Mundial) foi assassinado em 1865, logo após a Guerra Civil Americana, onde os Estados do Norte derrotaram os rebeldes confederados do Sul. Lincoln foi assassinado por um ator de teatro, inconformado com a derrota sulista no conflito. 



Já John Kennedy (imagem acima da Wikipédia) foi assassinado em circunstâncias até hoje não totalmente esclarecidas. Não há certeza sequer se foi um assassino ou mais. Sua morte, em 1963, ocorreu em meio às lutas pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos e no período da Guerra Fria com a antiga União Soviética. Nos dois casos há uma raiz histórica, os pontos de vistas diferenciados a respeito da política e da sociedade norte-americana entre os Estados do Norte e os do Sul da federação. 
Portanto, vamos às coincidências entre os dois presidentes, as quais cito como me foram entregues da internet:

- Abraham Lincoln foi eleito para o Congresso em 1846;
- John Kennedy foi eleito para o Congresso em 1946;
- Abraham Lincoln foi eleito presidente em 1860;
- John Kennedy foi eleito presidente em 1960;
- os nomes Lincoln e Kennedy têm sete letras;
- ambos estavam comprometidos na defesa dos direitos civis;
- as esposas de ambos perderam filhos enquanto viviam na Casa Branca;
- ambos os presidentes foram baleados numa sexta-feira;
- a secretária de Lincoln chamava-se Kennedy;
- a secretaria de Kennedy chamava-se Lincoln;
- ambos os presidentes foram assassinados por sulistas;
- ambos os presidentes foram sucedidos por sulistas;
- ambos os sucessores chamavam-se Johnson;
- Andrew Johnson, que sucedeu a Lincoln, nasceu em 1808;
- Lyndon Johnson, que sucedeu a Kennedy, nasceu em 1908;
- Andrew e Lyndon tem seis letras;
- John Wilkes Booth, que assassinou Lincoln, nasceu em 1838;
- Lee Harvey Oswald, que assassinou Kennedy, nasceu em 1938;
- ambos os assassinos eram conhecidos pelos seus três nomes;
- os nomes de ambos os assassinos têm quinze letras;
- Booth saiu correndo de um teatro e foi apanhado em um depósito;
- Oswald saiu correndo de um depósito e foi apanhado num teatro;
- Booth e Oswald foram assassinados antes de seu julgamento;
- uma semana antes de Lincoln ser morto ele estava em Monroe, Maryland;
- uma semana antes de Kennedy ser morto ele estava com Monroe, Marilyn;
- Lincoln foi morto na sala Ford, do teatro Kennedy;
- Kennedy foi morto num carro Ford, modelo Lincoln;
- ambos jogavam golfe tendo, inclusive, o mesmo handicap. 

Identifiquei alguns erros nas coincidências. Uma semana antes de morrer, Kennedy não esteve com Marilyn Monroe, pois ela faleceu em 1962 e ele em 1963, quase um ano depois. A possibilidade de Abraham Lincoln jogar golfe era remota, uma vez que nos tempos da Guerra Civil Americana (1861-1865), o golfe estava restrito à Escócia e Inglaterra, sendo levado pelo colonialismo britânico para a Ìndia e depois aos Estados Unidos, no final do século XIX. Pelas origens de Lincoln seria improvável ele praticar tal esporte, que era de caráter aristocrático. O assassino de Kennedy foi encontrado em um cinema, não exatamente num teatro, mas esta dá para perdoar, uma vez que ele se encontrava na platéia. Os demais dados parecem corretos.
Haja coincidências e paciência de quem as encontrou...